Análise
da decisão a respeito da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 476 Minas Gerais, sob a perspectiva do primado do direito e as exclusões
abissais
A
Dra. Sara Araújo, por meio do texto “O primado do direito e as exclusões
abissais”, propõe uma nova abordagem epistemológica, que por sua vez é baseada
na perspectiva de Norte e Sul. Tal abordagem vai além da ideia de referencial geográfico,
abrangendo os seguintes elementos: étnico-racial, gênero e sexualidade, por
exemplo. Nesse sentido, segundo a autora, o Sul do pensamento corresponde a
tudo aquilo que não é hegemônico, isto é, ele se expressa numa linguagem que o Norte (hegemônico) não a considera como legítima.
A
exemplo disso, podemos destacar as discussões a respeito das garantias dos
direitos fundamentais, tais como o direito à liberdade de expressão das
comunidades LGBTQIA+, uma vez que, em diversas instâncias, devido a pensamentos
conservadores, a efetivação desses direitos não são aplicados ao caso concreto.
Em vista disso, na perspectiva da Dra. Sara, surge, portanto, uma espécie de
linha abissal que segrega e invisibiliza um conjunto de ideias particulares,
tal como as questões de gênero, pela lógica da escala global.
Sob
essa perspectiva, a autora afirma que: “a modernidade eurocêntrica é um projeto
tanto epistemológico quanto jurídico. Se a ciência moderna estabelece os parâmetros
da sociedade civilizada, o primado do direito assegura a sua tradução em
limites a que os sujeitos são submetidos e em mapas que circunscrevem o
horizonte de possibilidades”. Em outras palavras, o a ciência moderna se comunica
diretamente com o direito, que por sua vez reflete os interesses dos dominantes.
Assim,
a crítica central da Sara Araújo se constrói mediante a critica à razão
metonímica. Em resumo, tal conceito sustenta a epistemologia do norte a partir da
ideia de monocultura, por exemplo, a jurídica, que nas palavras da autora: “despreza
os direitos locais e os universos jurídicos que regem formas de produtividade
não capitalistas e classifica como irrelevantes, locais, improdutivas,
inferiores e primitivas as formulações jurídicas não modernas”.
Nesse
sentido, se faz necessário, no campo jurídico, reconhecer as diferenças, por
meio da compreensão dos fenômenos sociais e dos anseios dos grupos minoritários,
a fim de superar os limites postos pela linha abissal. A exemplo disso, podemos
destacar a decisão judicial do Ministro Gilmar Mendes a respeito da Medida
Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 476 Minas Gerais
ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ante aos artigos 2°, caput,
e 3°, caput, da Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga
(MG).
Em
resumo, tais artigos excluíam da política municipal de ensino quaisquer referências
às diversidades de gênero. Exemplificando, o art.3°, caput dispunha que:
[...], não podendo adotar, nem mesmo sob a
forma de diretrizes, nenhuma estratégia ou ações educativas de promoção à
diversidade de gênero, bem como não poderá implementar ou desenvolver nenhum
ensino ou abordagem referente à ideologia de gênero e orientação sexual.
Segundo
a PGR, tal norma contrariava, dentre outros, os seguintes preceitos
fundamentais da Constituição Federal de 1988: o pluralismo de ideias e
concepções pedagógicas (art. 206, I); o direito à liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art.206, II), bem
como o direito à igualdade (art.5°, caput).
Nesse
sentido, depreende-se que a Lei 3.941, de 28 de agosto de 2015, do Município de
Ipatinga (MG) reflete os ideais nortistas (conservadores e hegemônicos), ao
passo que a PGR, por meio dos mecanismos legais e normativos, traduz o lugar de
fala das comunidades LGBTQIA+, que por sua vez buscam a efetivação e a produção
de efeitos dos direitos fundamentais. Por meio dessa perspectiva, o Ministro
Gilmar Mendes destaca que:
No caso em análise, as normas impugnadas,
ao proibirem qualquer referência à diversidade de gênero ou a ações educativas
que mencionem questões envolvendo a orientação sexual nas práticas pedagógicas
e no cotidiano das escolas em Ipatinga/MG, acabam cristalizando uma cosmovisão
tradicional de gênero e sexualidade que ignoram o pluralismo da sociedade
moderna.
Dessa
forma, conclui-se que a decisão do Ministro de deferir a medida cautelar ultrapassa
o limite posto pela linha abissal. Nesse sentido, tal decisão atende a garantia
da efetivação dos direitos fundamentais das comunidades LGBTQIA+.
(Italo
de Abreu Correia – 1°ano – Direito Noturno)
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