Boaventura de Sousa Santos, em alguns capítulos do livro¹ “Para uma revolução democrática da Justiça”, publicado em 2011, afirma que o estado atual do direito brasileiro é de defasagem clara. Seja pela linguagem parnasiana, seja pela falta de capacitação popular, ele diz que nossa estrutura jurídica está distante do povo, que desconhece seus direitos e é sistematicamente prejudicado.
Sua alternativa é fazer do direito uma ferramenta utilitária, parte da “estratégia de luta” de movimentos populares. E isso se daria através da concepção de modelos de sociedade mais justos, segundo sua perspectiva. Mas é interessante como ele afirma que “o sistema foi criado, não para um processo de inovação, ruptura, mas para um processo de continuidade” (p. 54), o que gera dificuldades para as alterações mais bruscas... De fato, uma ordem jurídica que mudasse conforme a moda da vez seria infernal.
Uma questão que pode ser contemplada segundo esse pensamento é a do fechamento das lotéricas francanas em março de 2021, por ordem do prefeito municipal. Foi impetrado pedido de liminar em mandado de segurança, e o entendimento do juiz foi da inconstitucionalidade da medida, que atenta contra vários incisos do artigo 5º da CF/88, sobretudo os que garantem liberdade e propriedade. Estas só podem ser suprimidas pelo Estado se fosse declarado estado de sítio ou de defesa, atribuição exclusiva do Presidente da República, mas que jamais o fez.
Essa conquista foi perdida numa instância posterior, mas fica a pergunta: adiantou alguma coisa a CF - símbolo máximo do ordenamento nacional, algo em tese durável - conceder tantos direitos se, por motivo ideológico, momentâneo, foram logo relativizados? E, naturalmente, os mais prejudicados foram os cidadãos pobres, que são os mais dependentes das lotéricas. É evidente que seus direitos – nesse caso assinalados em cláusulas pétreas da Constituição (!) - foram desprezados.
Segundo Boaventura, o direito deve ser orientado justamente para auxiliar a população carenciada na manutenção de seus direitos (p. 32). Para essa tarefa ele inclusive indica as Defensorias Públicas e a Advocacia Popular, para que reconheçam e afirmem “os direitos dos cidadãos intimidados e impotentes” (p. 33), como parece ser o caso.
Por fim, nas tais circunstâncias, ao mesmo tempo o autor foi endossado e contrariado: primeiro porque parte fundamental do ordenamento, por definição algo contínuo, tradicional foi inovada; depois porque isso serviu justamente ao controle do Estado sobre os cidadãos vulneráveis, ou seja, de cima para baixo, enquanto ele esperava justamente o contrário (p. 46). De fato, o Direito serviu a conveniências ideológicas em detrimento da Justiça e do interesse social.
Rafael M. P. Rosa de Lima, 2º período, noturno.
¹ SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3a. Edição. São Paulo: Cortez, 2011. [Cap. 2: “O acesso à justiça”, p. 31-47; Cap. 3: “O ensino do direito e a formação profissional”, p. 54-66”]
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