Em seu artigo “O primado do direito e as
exclusões Abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, Sara
Araújo fala sobre um modelo jurídico técnico, que respeita mais os mercados do
que os indivíduos, ele não respeita a diversidade cultural nem as diferentes
organizações políticas. Nesse sentido, a Jurista expõe a prevalência da razão
metonímica, que consiste em monoculturas que desvalorizam e inviabilizam o
diferente, ou como a autora cita “o que acontece do lado de lá”, para que seja
universalizado o que é proposto pelo “lado de cá”.
A partir desse modelo, o direito cria uma
monocultura jurídica, que despreza os direitos locais e o ordenamento jurídico
que não se orienta pela produtividade capitalista, portanto, classificado como
irrelevante. Essa monocultura favorece apenas a classe dominante, que além de
estar do lado norte da linha abissal, também é favorecida pelo direito, já o
lado sul, precisa lutar pela garantia dos seus direitos fundamentais, pois as
condições básicas para se viver estão bem longe da realidade deles.
A ação de reintegração de posse de Pinheirinhos é
um exemplo de como o direito técnico prejudica aqueles que são carentes para
favorecer os mercados. O terreno de Pinheirinhos, que estava vazio e não
cumpria a sua função social da propriedade, ocupava cerca de seis mil pessoas
que não tinham condições financeiras nem lugar para onde ir. Em 2011,
após a juíza Marcia Loureiro aprovar a reintegração de posse, os habitantes da
área foram brutalmente expulsos do local, tendo até mesmo caso de
desaparecimento e de morte.
O
processo nº 0273059-82.2005.8.26.0577 demonstra a ideia de linha abissal quando
diz ”de um lado, figura a Massa Falida como proprietária, socorrendo-se do
judiciário por ver violado um direito constitucional seu, qual seja, o direito
de propriedade e os aspectos dele decorrentes como a posse, esbulhada pelos requeridos.
De outro, os esbulhadores, ligados ao Movimento dos Sem Teto, que imploram pelo
direito constitucional de moradia [...]”. Isso evidencia o caráter capitalista
do universo jurídico, uma vez que o direito de moradia de quase seis mil
pessoas foi vencido pelo de posse de uma empresa.
Assim
sendo, vemos que o direito moderno torna a realidade do Sul invisível para que
não seja comprometido aquilo que é proposto pelo Norte, mesmo que a obrigação
dele seja garantir o direito fundamental de todos, sem distinção de classe,
vemos que a elite se sobressai devido a monocultura jurídica, que não respeita as
diferenças sociais, culturais e econômicas.
Julia Piva - Noturno
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