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domingo, 5 de dezembro de 2021

O peso da fome na balança jurídica

    Em setembro de 2021, uma mulher de 41 anos foi presa pelo furto de “2 refrigerantes, 1 refresco em pó e 2 pacotes de macarrão instantâneo” (trecho retirado do processo), produtos avaliados em R$21,69. A prisão foi feita em flagrante, ela admitiu o furto e alegou ter cometido o ato pois estava com fome. Apesar do valor irrisório, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu a prisão preventiva da mulher por conta de seu passado “desabonador” e “dupla reincidência específica”. 

    Paralelamente, em 2020 o Brasil retornou ao mapa da fome da ONU (Organização das Nações Unidas). A situação da insegurança alimentar no país é grave. As manchetes dos jornais mostram filas de pessoas para conseguir restos de carne e ossos - inclusive a capa da revista Extra, que retrata essa realidade, foi utilizada pela Defensoria Pública na defesa de Rosângela, ré do processo em questão.

    A realidade atual da população mais pobre no brasil é realmente perturbadora, o desespero pelo mínimo é alarmante e compreensível, afinal, em quantos níveis sentir fome, ou ver quem ama passando por isso, pode ser desesperador? Em uma situação como essa, de completo desalento, uma atitude impensada merece ser condenada de forma tão severa? 

    Quando se discute a expansão do acesso à justiça, também é preciso pensar qual justiça queremos. Uma justiça meramente burocrática, positivista, que não enxerga além de dados e “passados desabonadores”, é realmente eficaz? É inconcebível pensar que uma pessoa que rouba por fome merece o mesmo tratamento de uma pessoa que mata milhões de pessoas, indiretamente, através de desvio de dinheiro público que, supostamente, deveriam estar combatendo a fome do país. E realmente, não há o mesmo tratamento. Mas observe que, crimes como o de Rosângela são levados a diante,  condenados à prisão preventiva pois o contrário “ensejaria intranquilidade social em razão do justificado e real receio de tornar a delinquir” (trecho retirado do processo de Rosângela). Por outro lado, os crimes denominados “crimes do colarinho branco” são, em grande parte das vezes, mantidos “na gaveta”. 

    Para começarmos a discutir um sistema de justiça realmente justo é necessário falar sobre a advocacia popular e a necessidade de engajamento político e social do operador do Direito. Portanto, para se obter a efetividade desse sistema e alcançar o engajamento real desses operadores, toma-se por base os vetores epistemológicos trazidos no texto de Boaventura de Souza Santos - “Para uma revolução democrática da justiça”. Esses vetores seriam responsáveis por apresentar novas percepções e interpretações jurídicas. Os vetores são três: o primeiro assegura-se no compromisso do operador do direito com as causas populares; o segundo compreende-se na necessidade de uma formação política que esteja alinhada aos objetivos e intenções dessas lutas; e por último, a solidariedade é essencial, tanto a social quanto a pragmática, elas asseguram a aproximação do operador à injustiça do caso específico e entre o coletivo de pessoas que são unidas pela mesma causa. 

    Portanto, utilizando-se da análise do caso em questão, é possível observar a necessidade de reconstruir o ensino jurídico e, consequentemente, o ambiente como um todo. É necessário ir além de interpretações tradicionalistas, que se prendem apenas ao histórico e ao delito em si. A inovação está em compreender a causa do problema e solucioná-la de maneira efetiva para evitar o retorno do delito. Rosângela está em situação de rua a anos e a fome é recorrente no seu dia a dia, em uma entrevista dada logo após sair do cárcere, ela disse “Meu grande sonho é ser gente. Eu ainda não sei o que é isso, não sei o que é ser mãe, filha, irmã…”, é ingenuidade pensar que todos têm as mesmas oportunidades e, até mesmo, a mesma estabilidade emocional em frente ao desespero. Assim como citado anteriormente, a fome e a insegurança alimentar é um problema brasileiro, ou seja, o caso descrito neste presente texto não é isolado. Urge o surgimento de novas perspectivas, que possam realmente solucionar os problemas sociais e não apenas "engavetá-los" ou "encarcerá-los". Luísa Sasaki Chagas - Direito Matutino - Turma XXXVIII

 


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