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domingo, 5 de dezembro de 2021

A reintegração de posse do Pinheirinho sob as ideias de Sara Araújo

 

Esse texto tem como objetivo analisar – à luz das ideias de Sara Araújo – a decisão da juíza Márcia Loureiro em relação à reintegração de posse do bairro do Pinheirinho (São José dos Campos), a qual desencadeou uma violenta ação policial na comunidade. Em primeiro lugar, é fundamental salientar que o terreno consistia, antes da ocupação de centenas de famílias em 2004, em uma grande área vazia. Logo, é evidente que essa terra não cumpria qualquer função social até a chegada dos moradores. Ainda no mesmo ano, a massa falida da empresa Selecta reivindicou a reintegração de posse. No entanto, cabe ressaltar que não há registro de como a área tornou-se propriedade da empresa. Mesmo assim, em 2011, quase 8 anos após o esbulho, a juíza Márcia Loureiro ordenou a reintegração.

Tal decisão culminou na expulsão de milhares de pessoas de suas casas em prol da massa falida de uma empresa que nunca sequer conferiu qualquer função social àquela terra. Em outras palavras, comprometeu-se o direito à moradia de centenas de famílias em prol da especulação imobiliária. No julgado do caso, a juíza afirma que considera a propriedade e a moradia direitos os quais encontram-se no mesmo nível de hierarquia, de modo que a promoção do segundo não poderia comprometer a garantia do primeiro. Com isso, não apenas percebe-se que foram ignoradas a função social da terra e a suspeita de possível fraude na escritura do terreno, como também evidencia-se um modelo jurídico que privilegia o mercado em detrimento das pessoas.

Tal modelo, conforme expressa Araújo em “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, é responsável por legitimar a ordem dominante e capitalista. A partir desse Direito, o qual é apresentado como técnico e não político, os indivíduos são marginalizados em prol do Capitalismo. São defendidas ideias de neutralidade e justiça a partir de um suposto cumprimento das leis, mas os direitos sociais são deixados em segundo plano ou completamente negligenciados. Ademais, segundo Araújo, os defensores do Estado de direito, o qual representa esse modelo jurídico dominante, costumam associá-lo à democracia, de modo a conferir-lhe conotação positiva.

Essas concepções podem ser observadas em um artigo do jornalista Reinaldo Azevedo publicado em 2012 na revista Veja, o qual promove elogios à ordem de reapropriação dada por Loureiro. No texto consta que a juíza em questão “gosta do estado democrático e de direito” e que “sua coragem não está em afrontar a lei, mas em segui-la”.

Dessa forma, é notório que Loureiro, assim como todos aqueles que apoiaram sua decisão, representa um modelo jurídico dominante, o qual coloca o mercado acima das pessoas. Disfarçado por uma falsa neutralidade e uma suposta defesa da democracia, esse Direito marginaliza seres humanos, comprometendo seus direitos mais básicos, como a moradia, em prol da manutenção do sistema capitalista.


Johann Plath - Direito Matutino.



REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, S. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n.o 43, set/dez set/dez 2016, p. 88-115. Complementar: SANTOS, Boaventura

AZEVEDO, R. Esta mulher honra a justiça brasileira! Esta mulher ama o Brasil! Aplausos para esta mulher, que se opõe às barbáries de um país sem lei! Revista Veja. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/esta-mulher-honra-a-justica-brasileira-esta-mulher-honra-o-brasil-aplausos-para-esta-mulher-que-se-opoe-a-barbarie-de-um-pais-sem-lei/ Acesso em: 05 dez. 2021.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 0273059-82.2005.8.26.0577. Reintegração/Manutenção de posse. Selecto Comércio e Indústria S/A – massa falida versus Esbulhadores. São José dos Campos, 17 de outubro de 2011.

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