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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O Direito como unificador de uma sociedade plural: não feche os olhos para as diferenças

O mundo social não é mais o mesmo a muito tempo,  pelo contrário, a sociedade mudou muito de alguns séculos para cá. No âmbito jurídico, o jurista Antoine Garapon destaca uma dessas mudanças em um de seus textos: a dificuldade do Direito em lidar com uma sociedade tão diversa internamente. Em uma sociedade pré-moderna, quando o imaginário da população era quase homogêneo, não havia muitos acontecimentos imprevisíveis ou confusão sobre como julgar as coisas, já que a maioria das pessoas pensavam e agiam de maneira similar. Com o tempo, essa homogeneidade se quebrou, e outros modos de vidas passaram a ser respeitados, o que permite a existência de uma pluralidade de realidades que possuem diversas diferenças entre si, diferenças essas que alcançaram o âmbito jurídico.

    Garapon também explica que, se há diferenças entre as realidades dos indivíduos, a justiça não deve esperar que todos se portem igualmente e muito menos analisar todos os casos da mesma forma. Por essa razão, o juiz não deve só interpretar o que está escrito na lei, mas buscar entender as particularidades de cada caso — já que a lei é incapaz de prever todas as milhares situações que nascem das inúmeras diferenças entre os indivíduos e suas realidades.

    Um exemplo a ser analisado é o da prisão de uma moradora de rua por furtar de um supermercado dois pacotes de macarrão instantâneo e outros bens, avaliados em cerca de 22 reais. A mulher procurava saciar a fome, foi detida em prisão preventiva e comoveu o país com sua situação. A juíza que julgou o caso, diferente daquilo dito por Garapon, parece não ter compreendido inteiramente a diferença entre essa situação e o que seria um furto comum. Afinal, é coerente olhar com os mesmos olhos alguém que comete um crime por sobrevivência e alguém que o faz para benefício próprio? A ética e o Supremo Tribunal Federal defendem que não, já que alguns anos atrás o mesmo orientou os juízes a desconsiderar furtos de valores insignificantes.

    Em um país como o Brasil, onde existem desigualdades em todos os cantos, o que foi dito por Garapon não pode ser desconsiderado. As realidades são tão destoantes no solo brasileiro que no mesmo ano em que há 20 novos bilionários no país, há também o aumento da miséria em número recorde. O mínimo que deveria ser feito pelos tribunais é levar em conta as diferenças entre essas realidades e àquela descrita na lei, que não tem a capacidade de prever todas as possibilidades.

    Sendo assim, também é importante ressaltar que as diferenças vão além das condições econômicas: elas estão nas raças, etnias, gêneros, sexualidades, religiões, entre outros. O mundo contemporâneo não é único, e os tribunais acabam assumindo cada vez mais papéis para tentar unir esse plural de sociedades em uma só. Por isso, a vida dos indivíduos se torna cada vez mais jurídica, e definitivamente assustaria qualquer um de outra época a forma como o homem contemporâneo está habituado em compartilhar tanta coisa com o Direito.

Camilly Vitória da Silva — Direito noturno, 2° semestre, Turma XXXVIII

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