Em um mundo moderno embebido de neoliberalismo, o Estado deixa de lado uma de suas principais funções: proteger os direitos. Antoine Garapon já deixava claro em seus escritos o reflexo do fim do Welfare State, agora o Estado dá ao judiciário a responsabilidade de tutelar os indivíduos mais frágeis. Defender em um tribunal direitos que deveriam ser protegidos pela lei.
O Habeas Corpus 124.306 Rio de Janeiro, que chegou ao Supremo Tribunal Federal, deixa claro algumas das tendências dessa nova realidade hiper judicializada tratada por Garapon. A falta de leis gera um judiciário que deve proteger direitos fundamentais.
Isso é fruto de uma crise na representatividade, os legisladores já não fazem política. Difíceis questões morais que deveriam ser discutidas no âmbito da produção de leis, como o aborto, passam a ser responsabilidade do judiciário. Essa ausência de normas torna o julgamento um local de luta por direitos.
Como os representantes políticos não solucionam a questão do aborto dentro das câmeras legislativas, o caso tem que ser resolvido pelos juízes. Com isso, situações que poderiam ser resolvidas em instâncias municipais, acabam indo a Brasília pela falta de legislações. Esse é um dos pontos evidenciados por Garapon, essa hipertrofia do poder judiciário ocorre porque situações que poderiam ser resolvidas em esferas bem menores e particulares tendem a ser levadas aos mais altos graus do poder judiciário. Esse é um dos motivos pelo qual o poder judiciário demora tanto para resolver determinados processos, pelo tamanho da demanda, que poderia sido facilmente resolvida por outros meios.
No HC 124.306, é necessário que o STF faça o que o legislativo deixou de fazer, tornar o aborto até o primeiro semestre um direito. O judiciário passa a tutelar o sujeito, dando por meio da sentença o direito que a população não consegue através da lei. No entanto, essa tendência atual da jurisprudência se tornar a nova conduta, marca um dos pensamento de Ingeborg Maus.
Para Maus, a jurisprudência das altas cortes passa a ser superior à própria lei. A referência do tribunal superior passa a ser a si mesmo e suas antigas decisões. A Constituição perde seu papel, e agora tudo deve ser interpretado a partir da jurisprudência dos tribunais. Nessa nova tendência do Estado hiper judicializado, a democracia corre grande perigo. Ignorando a Constituição, que representa a vontade do povo, as cortes correm o risco de se afastar dos interesses populares.
Durante o voto do Ministro Barroso, no Habeas Corpus citado, a jurisprudência é citada como fonte fundamental. Já a lei presente no Código Penal é apresentada como obsoleta e dispensável. No julgado em questão, a defesa do Ministro é correta, contudo, como disse Maus, a longo prazo essa tendência pode colocar a democracia em perigo.
Laura Lopes de Deus Pires
Direito matutino - Turma XXXVIII
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