No contemporâneo, vive-se um fenômeno geral, sobretudo em países ocidentais em que se consolidou a democracia liberal. Com isso, veio o constante e progressivo distanciamento entre Estado e a população. O indivíduo passou a ser cada vez mais individualizado, isto é, passou a ser cada vez mais colocado só em meio às diversas lutas e instabilidades do capitalismo liberal.
Nesse
sentido, a fim de sobreviver, o ser humano passou procurar diferentes meios, sendo
que o caminho judiciário se mostrou mais eficiente. Em consequência disso, teve
início um processo que ficou conhecido por muitos como judicialização da política, isto é, o protagonismo dos tribunais no
campo político. Sobre isso, diferentes autores manifestaram diferentes
perspectivas. No caso do francês Antoine Garapon, esse fenômeno global não
passa de uma tentativa dos cidadãos em sobreviver, uma vez que o Estado liberal
não se mostra disposto em fornecer condições materiais para sobrevivência da
população, a qual, por sua vez não encontra, em meios políticos, a representação
necessária. Em outras palavras, cabe ao
juiz garantir a defesa do indivíduo que é colocado à margem da sociedade.
Essa posição
de defesa da dignidade humana pelo judiciário se mostra bastante presente quando
se analisa o Voto-Vista do Ministro Luís Roberto Barroso.
No decorrer
de todo o documento, percebe-se, por parte do Ministro, uma forte tentativa,
tanto por meios legais, quanto sociológicos, filosóficos e históricos, de se
tentar defender o ser humano. Nesse caso concreto, é notável a forte tentativa do
Ministro em evidenciar a brutal desigualdade de gênero presente no código penal,
o que é completamente contrário ao que se é estabelecido pela Constituição
Federal de 1988.
Nesse
sentido, o Ministro Barroso tece como principal argumento o ferimento à
dignidade da mulher quanto ser humano, uma vez que a criminalização do aborto
usurpa dela a sua autonomia, violação ao direito à integridade física e psíquica,
violação dos direitos sexuais e reprodutivos, violação da igualdade de gênero
previsto e uma forte discriminação social e um desproporcional impacto sobre mulheres
pobres, que pouco têm acesso a condições médicas necessárias. Vale ressaltar o
argumento econômico posto por Barroso, que evidencia que o prejuízo causado pela
criminalização é muito maior quando se comparada aos gastos em caso de
legalização.
Do
ponto de vista legalista, o Ministro Barroso também elaborou reflexões no sentido
de garantia ao Habeas Corpus (HC). As condições dos julgados não são as
necessárias para a negação do HC, como previsto pelo Código de Processo Penal.
Em
conclusão, pode-se perceber que o Ministro Barroso tece um grande repertório
para se defender a dignidade da mulher, o que não ocorre no plano político
atual brasileiro. Inicialmente, mostra como que a criminalização do aborto fere
diversos direitos, muitos dos quais previstos constitucionalmente e
reconhecidos em plano internacional. Em seguida, mostra que a negação de pedido
de HC é contrário ao que é previsto em lei.
Vítor Salvador Garcia Lopes - Matutino
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