É
evidente que as estruturas neoliberais trouxeram diversas consequências para as
sociedades ocidentais modernas. Torna-se plausível fazer uma adendo de que irei
me abster de realizar críticas irracionais ao Estado neoliberal, tendo em vista
que meus argumentos sobre podem ser desprovidos de estruturação científica. No
entanto, não posso negar que o Estado neoliberal tem provado reações
importantes (que devem ser analisadas) no âmbito jurídico não só do Brasil, mas
da maioria das democracias ocidentais neoliberais.
Antoine
Garapon, autor de uma respeitável obra – “O Juiz e a Democracia: O Guardião das
Promessas” – menciona muito bem acerca desse reflexo neoliberal nas estruturas
jurídicas das sociedades ocidentais que se acham envolvidas por esse conjunto de
ideias políticas e econômicas capitalistas. De acordo com o autor, é
característica do neoliberalismo forçar a saída do Estado de cena, e quando
isso ocorre, retira-se as sustentações protecionistas estatais de assuntos
muito plausíveis para um bom funcionamento social.
Dessa
forma, ao coagir o Estado a se abster (em partes ou totalmente) de temáticas
sociais, políticas ou econômicas extremamente significativas, Garapon indica
que o neoliberalismo também acaba por fazer com que os indivíduos busquem em outros
horizontes a proteção que deveria ser concedida pelo Estado, tendo em vista que
muitos sujeitos tentam obter mecanismos de sobrevivência dentro desse Estado
que somente existe, mas não salvaguarda. Exemplificando melhor seu pensamento,
podemos estabelecer a seguinte linha de raciocínio especificada abaixo.
Com
a consolidação da democracia e, por conseguinte, com o aprofundamento de
garantias constitucionais das mais diversas, os sujeitos sabem que possuem
direitos previstos por lei e que devem ser concretizados. No entanto, com o
Estado neoliberal cada vez mais expansivo e distante de promover respostas por
meio de políticas públicas, o indivíduo acaba solicitando ao Direito (por
intermédio do sistema de justiça) que se cumpra aquilo que foi garantido constitucionalmente.
Segundo Garapon, todo esse percurso, leva ao processo de judicialização da
política.
Em
um dos trechos de seu livro, Antonie (1999, p. 139) estabelece que:
“Chama-se a justiça no
intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno”. [...] “Quer lhe sejam
submetidas questões morais difíceis, como as relativas à bioética ou à
eutanásia, quer lhe seja solicitado remediar prejuízos causados pelo
enfraquecimento dos vínculos sociais na população marginalizada, a justiça
se vê intimada a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada” (grifo
meu).
A
saber, o termo utilizado pelo autor (judicialização da política), significa (de
acordo com conceituação retirada do site Politize) que algumas questões de
grande repercussão política ou social estão sendo resolvidas pelo Poder
Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, como
Congresso Nacional e Poder Executivo. Assim, a judicialização é um fato, uma
circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um
exercício deliberado de vontade política.
Ademais,
torna-se importante destacar que na judicialização, o Poder Judiciário é
devidamente provocado a se manifestar e o faz nos limites dos pedidos
formulados. O tribunal não tem a alternativa de conhecer ou não das ações, de
se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de
cabimento. Em outras palavras, a judicialização não decorreu de uma opção
ideológica ou filosófica do Judiciário, pois esse decide em cumprimento, de
modo estrito, ao ordenamento jurídico vigente (fonte: politize).
Certamente,
uma pergunta que provoca a muitos é: “Cabe ao Judiciário extrapolar suas
funções e agir perante questões políticas, sociais e econômicas reivindicadas
pela sociedade?” Bom, lastimavelmente, em uma sociedade em que o sujeito é
colocado na selva concorrencial das relações capitalistas e sem armas
institucionais para lutar por sua sobrevivência, em uma sociedade capitalista
em que os indivíduos não possuem proteção social alguma e garantias de
sobrevivência (não é nem de vivência, pois sabemos que muitas classes não vivem
e sim sobrevivem a esse sistema um tanto quanto opressor), o Judiciário acaba
tendo que agir.
Por
exemplo, um dos julgados requeridos ao Poder Judiciário é o que se refere ao
aborto. Podemos perceber, em uma petição realizada pelo ministro Barroso, em
como o judiciário está se expandindo e passando a atuar sobre questões sociais
(como de saúde pública) que não estão previstos em suas competências. A questão
do aborto é algo totalmente importante de ser debatida, tendo em vista que se
trata de uma demanda de saúde pública de diversas mulheres.
Todavia,
não é de autoridade do judiciário tratar acerca dessa temática e sim de outros
poderes como o legislativo (na elaboração de leis que assegurem de fato a
proteção da saúde e da vida de diversas mulheres) ou executivo (como Ministério
da Saúde, órgão responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltados
para a promoção, a prevenção e a assistência à saúde dos
brasileiros). Ao Judiciário, recairia a habilidade de garantir os direitos
individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades
e Estado, e não iniciar a elaboração de leis por exemplo (o que muito ocorre
diante de um legislativo inoperante).
Porém,
podemos perceber que os sujeitos se encontram cada vem mais desamparados diante
da expansão neoliberal, tendo que buscar no sistema de justiça todos os seus
direitos que têm sido solapados. Dessa maneira, se as políticas públicas não
conseguem atender os direitos previstos na Constituição, o indivíduos mobilizam
o direito para ter acesso às garantias previstas positivamente. Assim, o poder
Judiciário (tendo que garantir os direitos individuais, coletivos e sociais)
não pode e não deve se abster, tendo em vista que todas as pessoas merecem
viver com dignidade.
Contudo,
faço aqui uma menção totalmente importante, cunhada pela autora Ingeborg Maus. Temos
que tomar cuidado com a inflação do poder judiciário, uma vez que o Judiciário,
nas suas decisões, pode se distanciar do próprio texto constitucional e acabar
se reportando às suas próprias análises/jurisprudências, e agindo como se ele
fosse um centro de poder que pode tudo, até mesmo prescindir a Constituição –
esse seria um dos perigos intensos desse protagonismo desenfreado dos tribunais
judiciais.
Por
isso que devemos lutar para que as estruturas sociais se concretizem de forma a
reivindicar nossos direitos não somente pelo Judiciário. Devemos exercer
pressão sobre os outros poderes para que estes cumpram aquilo que foi previsto
em suas competências. Agindo por meio de mobilizações, protestos e greves.
Levantando vozes, indo até às ruas, buscando demonstrar que o povo deve ser
visto e ouvido e que a democracia deve viver e não se afogar nas estruturas
neoliberais que estão se alastrando.
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