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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

É evidente que as estruturas neoliberais trouxeram diversas consequências para as sociedades ocidentais modernas. Torna-se plausível fazer uma adendo de que irei me abster de realizar críticas irracionais ao Estado neoliberal, tendo em vista que meus argumentos sobre podem ser desprovidos de estruturação científica. No entanto, não posso negar que o Estado neoliberal tem provado reações importantes (que devem ser analisadas) no âmbito jurídico não só do Brasil, mas da maioria das democracias ocidentais neoliberais.

Antoine Garapon, autor de uma respeitável obra – “O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas” – menciona muito bem acerca desse reflexo neoliberal nas estruturas jurídicas das sociedades ocidentais que se acham envolvidas por esse conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas. De acordo com o autor, é característica do neoliberalismo forçar a saída do Estado de cena, e quando isso ocorre, retira-se as sustentações protecionistas estatais de assuntos muito plausíveis para um bom funcionamento social.

Dessa forma, ao coagir o Estado a se abster (em partes ou totalmente) de temáticas sociais, políticas ou econômicas extremamente significativas, Garapon indica que o neoliberalismo também acaba por fazer com que os indivíduos busquem em outros horizontes a proteção que deveria ser concedida pelo Estado, tendo em vista que muitos sujeitos tentam obter mecanismos de sobrevivência dentro desse Estado que somente existe, mas não salvaguarda. Exemplificando melhor seu pensamento, podemos estabelecer a seguinte linha de raciocínio especificada abaixo.

Com a consolidação da democracia e, por conseguinte, com o aprofundamento de garantias constitucionais das mais diversas, os sujeitos sabem que possuem direitos previstos por lei e que devem ser concretizados. No entanto, com o Estado neoliberal cada vez mais expansivo e distante de promover respostas por meio de políticas públicas, o indivíduo acaba solicitando ao Direito (por intermédio do sistema de justiça) que se cumpra aquilo que foi garantido constitucionalmente. Segundo Garapon, todo esse percurso, leva ao processo de judicialização da política.

Em um dos trechos de seu livro, Antonie (1999, p. 139) estabelece que:

“Chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno”. [...] “Quer lhe sejam submetidas questões morais difíceis, como as relativas à bioética ou à eutanásia, quer lhe seja solicitado remediar prejuízos causados pelo enfraquecimento dos vínculos sociais na população marginalizada, a justiça se vê intimada a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada” (grifo meu).

 

A saber, o termo utilizado pelo autor (judicialização da política), significa (de acordo com conceituação retirada do site Politize) que algumas questões de grande repercussão política ou social estão sendo resolvidas pelo Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, como Congresso Nacional e Poder Executivo. Assim, a judicialização é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política.

Ademais, torna-se importante destacar que na judicialização, o Poder Judiciário é devidamente provocado a se manifestar e o faz nos limites dos pedidos formulados. O tribunal não tem a alternativa de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento. Em outras palavras, a judicialização não decorreu de uma opção ideológica ou filosófica do Judiciário, pois esse decide em cumprimento, de modo estrito, ao ordenamento jurídico vigente (fonte: politize).

Certamente, uma pergunta que provoca a muitos é: “Cabe ao Judiciário extrapolar suas funções e agir perante questões políticas, sociais e econômicas reivindicadas pela sociedade?” Bom, lastimavelmente, em uma sociedade em que o sujeito é colocado na selva concorrencial das relações capitalistas e sem armas institucionais para lutar por sua sobrevivência, em uma sociedade capitalista em que os indivíduos não possuem proteção social alguma e garantias de sobrevivência (não é nem de vivência, pois sabemos que muitas classes não vivem e sim sobrevivem a esse sistema um tanto quanto opressor), o Judiciário acaba tendo que agir.

Por exemplo, um dos julgados requeridos ao Poder Judiciário é o que se refere ao aborto. Podemos perceber, em uma petição realizada pelo ministro Barroso, em como o judiciário está se expandindo e passando a atuar sobre questões sociais (como de saúde pública) que não estão previstos em suas competências. A questão do aborto é algo totalmente importante de ser debatida, tendo em vista que se trata de uma demanda de saúde pública de diversas mulheres.

Todavia, não é de autoridade do judiciário tratar acerca dessa temática e sim de outros poderes como o legislativo (na elaboração de leis que assegurem de fato a proteção da saúde e da vida de diversas mulheres) ou executivo (como Ministério da Saúde, órgão responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltados para a promoção, a prevenção e a assistência à saúde dos brasileiros). Ao Judiciário, recairia a habilidade de garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado, e não iniciar a elaboração de leis por exemplo (o que muito ocorre diante de um legislativo inoperante).

Porém, podemos perceber que os sujeitos se encontram cada vem mais desamparados diante da expansão neoliberal, tendo que buscar no sistema de justiça todos os seus direitos que têm sido solapados. Dessa maneira, se as políticas públicas não conseguem atender os direitos previstos na Constituição, o indivíduos mobilizam o direito para ter acesso às garantias previstas positivamente. Assim, o poder Judiciário (tendo que garantir os direitos individuais, coletivos e sociais) não pode e não deve se abster, tendo em vista que todas as pessoas merecem viver com dignidade.

Contudo, faço aqui uma menção totalmente importante, cunhada pela autora Ingeborg Maus. Temos que tomar cuidado com a inflação do poder judiciário, uma vez que o Judiciário, nas suas decisões, pode se distanciar do próprio texto constitucional e acabar se reportando às suas próprias análises/jurisprudências, e agindo como se ele fosse um centro de poder que pode tudo, até mesmo prescindir a Constituição – esse seria um dos perigos intensos desse protagonismo desenfreado dos tribunais judiciais.

Por isso que devemos lutar para que as estruturas sociais se concretizem de forma a reivindicar nossos direitos não somente pelo Judiciário. Devemos exercer pressão sobre os outros poderes para que estes cumpram aquilo que foi previsto em suas competências. Agindo por meio de mobilizações, protestos e greves. Levantando vozes, indo até às ruas, buscando demonstrar que o povo deve ser visto e ouvido e que a democracia deve viver e não se afogar nas estruturas neoliberais que estão se alastrando. 

LÍVIA GOMES - NOTURNO - 2º SEMESTRE - TURMA XXXVIII

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