Segundo Antoine Garapon, o âmbito judiciário é pautado por um processo de judicialização que ocorre sob a forma de um espectro que atua como fenômeno político-social na sociedade. Essa judicialização discutida pelo autor se concretiza diante de uma necessidade que os indivíduos possuem em fazer valer seus direitos em um cenário social no qual entendem que suas garantias estão sendo infringidas devido ao processo de enfraquecimento que se acentuou com o avanço do neoliberalismo nas últimas décadas e que atacou de forma violenta o estado de Bem-Social, colocando-o em uma posição de crise e ,consequentemente, subjugando direitos fundamentais de diversas pessoas. Buscando representatividade e apoio na luta pelos direitos, diversos cidadãos se asseguram no poder que o Direito possui e emana para fazer valer esses direitos que estão sendo sucateados e desmoralizados. Nesse sentido, Garapon evidencia que ao ocorrer tal acontecimento, inicia-se então o que ele aponta como o processo denominado de ‘’A Magistratura do Sujeito’’, no qual o cidadão precisa que a Justiça trabalhe em prol do reconhecimento de suas causas, já que este cidadão está sendo atacado por um cenário que podemos considerar - segundo as palavras do próprio Antoine - como uma experiência de ‘’democracia desencantada’’.
Ao referir-se ao pensamento do jurista francês, é possível perceber de maneira clara e pontual a ação da ‘’Magistratura do Sujeito’’ como força atuante na vida desses indivíduos que recorrem ao aparato judicial para obter algum tipo de assistência em relação à garantia de seus direitos já positivados. Ao exemplo, é possível analisar o julgado que trata de uma cirurgia de transgenitalização - ato cirúrgico conhecida popularmente como Mudança de Sexo - sob a justificativa de uma sentença que autoriza a realização da cirurgia com o argumento de que este é um direito fundamental para vida plena da pessoa que necessita passar pelo procedimento médico. A sentença organizada em mais de 30 páginas destaca bem o ponto de vista do juiz que atende pelo nome de Fernando Antônio de Lima e atua na Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales, pois ao longo das construções do argumento do jurista, ele analisa de maneira detalhada como existe um estigma em torno da figura das pessoas transsexuais e como o não reconhecimento da própria identidade interfere de maneira negativa, sistemática, preconceituosa e dolorosa na vida destas pessoas que se encontram na condição de não identificarem-se com seu sexo biológico.
Cabe ressaltar que ao atender ao pedido de aprovação da cirurgia, o magistrado Fernando Antônio deu sequência e potencializou a possibilidade de uma realização pessoal de uma pessoa que teve seu sonho cancelado em 2009, ano esse em que a requerente teve todo seu processo de transição interrompido de forma abrupta e viu seu destino direcionado à um completo vazio existencial que a impossibilitou de realizar a sua mudança de sexo, na qual abandonaria o genêro masculino para assumir sua verdadeira identidade que, no caso, establiza-se na condição da figura do genêro feminino. Assumindo um caráter aliado ao que prega e consta na Constituição Brasileira de 1988, o jurista defendeu que negar a possibilidade da cirurgia para a requerente é violar o direito fundamental à identidade que é de extrema importância para a vida plena de qualquer indivíduo. Sendo assim, compreende-se que tal decisão abrange e leva em conta diversos fatores sociopolíticos e culturais que rodeiam toda a vivência de pessoas trans na sociedade brasileira.
Portanto, foi reconhecida a necessidade do Estado honrar com seus deveres para com seus cidadãos e garantir que o direito dessas pessoas não sejam apenas falácias, mas sim garantias que precisam ser honradas de acordo com cada vontade e/ou desejo íntimo daqueles que necessitam passar por uma cirurgia como essa para compreender não só sua própria individualidade, mas passar a compor um espaço social que clama cada vez mais por diversidade e inclusão. Ao analisar brevemente a questão, é possível afirmar então que este caso é um exemplo conclusivo sobre a Magistratura do Sujeito, pois destaca um confronto de narrativas no qual o Direito e a Justiça são os principais responsáveis por coordenar a qualidade e a satisfação de vida do indivíduo, assumindo um protagonismo nos tribunais das sociedades contemporâneas e atuando como força garantidora para efetivar a responsabilidade do Estado brasileiro com assistência médica e social para com aquelxs que precisam ser respeitados, incluídos e valorizados por serem quem são.
PEDRO OLIVEIRA / NOTURNO
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