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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Antoine Garapon & ADI 4277

 <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>

Na atualidade, é evidente, não apenas no Brasil, mas também em outros países ao redor do globo, como a França e os Estados Unidos, o crescente protagonismo do Poder Judiciário. E a explicação para essa maior influência, de acordo com o magistrado francês Antoine Garapon, reside primordialmente em fatores sociais e políticos, em detrimento aos fenômenos puramente jurídicos. Como Garapon explica em sua obra “O Juiz e a Democracia: O Guardião de Promessas” (1999), a expansão jurídica relaciona-se à própria dinâmica das sociedades democráticas. Como ele mesmo diz: “A explosão do número de processos não é um fenômeno jurídico, mas social. Ele se origina da depressão social que se expressa e se reforça pela expansão do direito”. A ascensão do Judiciário, portanto, insere-se em um contexto marcado pelo término da Guerra Fria e pelo avanço do neoliberalismo, que culminam em uma crise de representação político-partidária ao mesmo tempo em que o acesso à justiça e a instituição das garantias constitucionais ampliam-se, de modo que a hiperjudicialização se dá em razão da hiperconscientização de direitos.

Sendo assim, Garapon constata a existência de uma “democracia desencantada”, em que “A justiça não apenas deve multiplicar suas intervenções – o que já é em si um desafio -, mas é também, ela própria, objeto de novas solicitações. Quer lhe sejam submetidas questões morais difíceis, como as relativas à bioética ou à eutanásia, quer lhe seja solicitado remediar prejuízos causados pelo enfraquecimento dos vínculos sociais na população marginalizada, a justiça se vê intimada a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada”. Dessa maneira, em uma nova configuração democrática, em que se pressupõe a igualdade de condições entre os homens, fabrica-se “o que antigamente era outorgado pela tradição, pela religião ou pelos costumes. Forçada a inventar a autoridade, sem sucesso, ela acorre então para o juiz [...] O preço a ser pago pela liberdade é o maior controle do juiz, a interiorização do direito e a tutelarização de alguns sujeitos”. Pode-se inferir, portanto, e de acordo com o próprio Garapon, que ocorre a transformação de uma obrigação social em uma norma positivada.

Isto tudo posto será de grande valia para que se pense sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 Distrito Federal. Essa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a união homoafetiva como um núcleo familiar, completou 10 anos em 5 de maio de 2021 e foi um marco histórico, colocando o Brasil como o primeiro país a reconhecer a união estável de casais homossexuais na Justiça. Inclusive, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO) elevou essa decisão à categoria de patrimônio documental da humanidade. Até a data de 5 de maio de 2011, a união de pessoas do mesmo sexo não era reconhecida como entidade familiar, o que implicava na não obtenção dos mesmos direitos assegurados aos casais heteroafetivos, o que no entendimento dos juízes, feria os preceitos de liberdade e igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurados pela Constituição Federal. Fica evidente, desse modo, que o protagonismo “do(s) tribunal(is)” nesse caso, foi de extrema importância para que se efetivasse o direito de uma minoria.

Contudo, é importante notar que esse é um primeiro passo. O Brasil é um país conservador, e, inclusive, encontra-se imerso em uma onda de conservadorismo sem precedentes, que busca minar os direitos de minorias. Além disso, por ser um país majoritariamente religioso, grupos minoritários, como a comunidade LGBT+, encontram-se desamparados pelo Congresso Federal e pela legislação, uma vez que o número de deputados e senadores que passam a integrar a conhecida “bancada evangélica” é crescente. Em 2019, por exemplo, estima-se que o número de deputados aliados a essa frente parlamentar era de 203.  Por isso, a via da Justiça, da judicialização, até agora, foi a opção que mais valeu-se em efetivar os direitos dessa comunidade. Desse modo, como afirma Garapon, o “direito transforma-se em uma moral por ausência”, invadindo a “moral, a intimidade e o autogoverno”, intimando a democracia a “inventar novas maneiras de resolver os conflitos e de proteger os indivíduos frágeis”.

  Por fim, o fato é que a sociedade está em constante transformação e devido a isso, surgem novas demandas sociais que merecem destaque. Mesmo em 2002, já no século 21, uma ADI como a 4277 parecia impensável – uma vez que o novo Código Civil, do mesmo ano, traz em seu Art. 1.723 o seguinte: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Portanto, se no cenário atual os indivíduos estão mais conscientes de seus direitos, a tal da hiperconscientização antes mencionada, e não há espaço e nem mobilização dos outros dois poderes, o Executivo e o Legislativo, fazendo um paralelo com a Química e com o Princípio de Le Chatelier, é possível pensar o seguinte: de acordo com a equação Legislativo + Executivo + Judiciário Equilíbrio de poderes, se mantida a proporção correta entre reagentes e produtos, a equação se manterá equilibrada. Os reagentes estão na mesma proporção 1:1. Ao aumentarmos a “concentração” do Judiciário, as “concentrações” do Legislativo e do Executivo diminuem e o equilíbrio é deslocado no sentido de formação de produtos, aumentando a “concentração” do Equilíbrio de poderes. Se a “concentração” do Executivo aumenta, a do Legislativo e do Judiciário diminuem e é a mesma história, ou seja, o aumento de protagonismo de um poder na falta dos outros pode ser encarado como uma espécie de suprimento e esforço para que se mantenha o equilíbrio.

Laura Ruas, Direito Matutino

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