Na sessão plenária do dia 10 de maio de 2017, foi concluído o julgamento do RE 878.694/MG e, por maioria, foi reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, determinando a aplicação do art. 1.829 tanto para o cônjuge quanto para o companheiro.
No
julgamento aludido, o Ministro relator Luis Roberto Barroso, acompanhado pela
maioria, fundamentou seu voto no sentido de que o casamento e a união estável
são figuras juridicamente distintas, sendo lícita a diferenciação entre ambas
no que tange aos requisitos para comprovação. Ressaltando, contudo, que “só
será legítima a diferenciação dos regimes se não implicar hierarquização de uma
entidade familiar em relação à outra, desigualando o nível de proteção estatal
conferido aos indivíduos.”
Para
Antoine Garapon (1999, p. 146), “Um direito feito pelo juiz inverte a carga
normativa. Constatando a insegurança e a complexidade do nosso mundo, ela
reclama um raciocínio antecipatório”.
A
família brasileira era predominantemente rural, patriarcal e matrimonial, ou
seja, inexistia o reconhecimento jurídico de outros modelos familiares,
devendo-se à jurisprudência o reconhecimento jurídico dos vínculos afetivos
formados sem o selo da oficialidade, já que, a lei regulava somente o
casamento. A postura firme dos Tribunais acabou por influenciar o legislador,
fazendo com que fossem editadas normas legais reconhecendo a união estável.
Nesse sentido, as uniões extramatrimoniais passaram a
ser reconhecidas com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
No art. 226 da CF/88, o conceito de família foi ampliado e, mais
precisamente no §3º, a união estável teve seu merecido reconhecimento como
entidade familiar. Mais tarde, com a publicação do Código Civil de 2002, houve
o reconhecimento e a regulamentação da matéria. O mesmo codex, no
polêmico art. 1.790, também trouxe a regulamentação do direito sucessório dos
companheiros.
Para o Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre com
o cônjuge na sucessão, no que se refere aos companheiros, os
direitos sucessórios restringiam-se aos bens adquiridos onerosamente na
vigência da união estável, e, ainda, na condição de concorrência com os
ascendentes, descendentes ou outros parentes sucessíveis, tendo direito a
totalidade da herança apenas se não houverem tais herdeiros. O julgamento do
Recurso Extraordinário nº 878.694 pelo Supremo Tribunal Federal veio pôr fim a
essa desigualdade, uma vez que a decisão igualou cônjuges e companheiros para
fins sucessórios.
Como
reconhece Garapon (1999, p. 150), além dos direitos próprios à personalidade, a
justiça passa a ser invocada para dirimir questões no que tange, inclusive, as
relações fundamentais, concluindo que referida demanda abre um novo campo para
a justiça, cuja função tutelar acaba sendo mais solicitada do que sua função
arbitral.
Fundamental,
ainda, ressaltar que a justiça se vê intimada a tomar decisões em uma
democracia preocupada e desencantada a fim de remediar prejuízos causados pelo
enfraquecimento dos vínculos sociais na população marginalizada. (GARAPON,
1999, p. 139). Nesse sentido, existe um contexto político moral que torna
factível, ainda que a diferença existisse.
Para Garapon (1999, P.
146), “Num mundo sem normas externas de comportamento, os sujeitos são
condenados a interioriza-las. O homem democrático deve incessantemente
reinventar, ele próprio, o que antes era formulado pela lei positiva.” Desse
modo, conclui que a justiça atua de modo a antecipar todas as
eventualidades, prevenindo conflitos que possam surgir diante da
complexidade das relações.
As
observações de Garapon se aplicam ao julgamento ora discutido. Diante da
ineficiência da instituição política refletida no silêncio legislativo, a
demanda chegou ao Judiciário por meio do RE 878.694/MG. Tal como preconizado
por Garapon, o Ministro relator Luis Roberto Barroso foi instado a dar uma
interpretação política ao julgado, de modo a efetivar, judicialmente, com base
em princípios, os interesses dos companheiros.
Um
país com tamanha pluralidade como o Brasil tem, ainda assim, um Legislativo
conservador. Daí a necessidade, tal como apontado por Garapon, de se buscar
representatividade e o cumprimento das promessas constitucionais no Judiciário.
O
Supremo Tribunal Federal foi responsável, pela criação de um novo sentido para
o dispositivo do Código Civil, no que se refere à igualdade das entidades
familiares, garantindo o disposto na Constituição Federal, diante da ineficiência
da area política legislativa sobre o tema, produzindo uma jurisprudência
vinculante com efeito protetivo.
Realmente,
o legislador poderia ter optado por atribuir à união estável contornos
jurídicos equivalentes aos do casamento, contudo, assim não procedeu.
Corrigindo tal situação, a jurisprudência tendeu, de um modo geral, a igualar
os direitos dos companheiros aos dos cônjuges.
Jéssica Maria Gregio - Noturno
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