Garapon possui uma perspectiva peculiar sobre a justiça, pois ele a enxerga como bombeiro e piromaníaco, afastando e aproximando os indivíduos. Em outras palavras, a incapacidade de exercer uma autoridade social, acaba por influenciar num aumento da justiça sobre comportamentos que previamente desposam de outras maneiras de regulação. Entretanto, essa incapacidade social sofreu um revés diante da decisão do Ministro Luís Roberto Barroso no caso do pedido de habeas corpus sob o “crime” de interrupção da gravidez.
Ao observarmos o voto do Ministro, percebemos que existe um cuidado para que ele maneje suas concepções e pensamentos para não confundir seu papel. Tudo isso porque a transposição dos problemas humanos compromete a efetivação do direito e a manutenção das relações. Só que não suficiente, ele também reconhece que um direito desumanizado é um instrumento de reprodução do poder vigente, um poder marginalizador e opressor. Dessa forma, a partir do capítulo “Da proibição da droga à incitação comedida”, de Garapon, é possível fazer uma análise sobre a caracterização do aborto e o impacto dele na sociedade.
Paralelo a isso, seguindo a lógica da maioria das drogas, o aborto também sofre com a criminalização; vivendo essa mesma realidade, permite destacar que quando existe uma mercantilização, isto é, um interesse econômico por trás da situação, a corda de repressão fica mais frouxa. Para exemplificação, temos o cigarro, que apesar de ser legalizado, não é incentivado – não possui propagandas nas mídias socias -, como a bebida alcoólica, que sempre é acompanhada de um recado de conscientização. Logo, voltando para a questão do aborto, o Estado é incapaz de impedir a realização de abortos, sendo necessária uma mudança de estratégia, já que esse estilo coercitivo institucionalizado nos presídios não contribui para o desenvolvimento social.
Para mais, num país como o Brasil, plural e diverso, mas inserido e criado num núcleo conservador, as pessoas buscam o cumprimento das promessas constitucionais no Judiciário. O voto do Ministro fundamenta que a criminalização é incompatível com os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada e com os arts. 124 a 126 do Código Penal. Sendo assim, a criminalização, nesse caso, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.
Dado o que fora exposto, é necessário estabelecer um novo modelo de magistrado, onde a justiça pode ser o palco da democracia e os direitos humanos sejam realmente efetivados em nosso meio. Entender a necessidade da proporcionalidade e da interpretação coerente da lei é primordial para que se possa realmente falar de justiça. Portanto, percebe-se a importância dos tribunais atuais como verdadeiros instrumentos de transformação social, capazes de conduzir a sociedade brasileira e seu judiciário a um novo rumo.
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