O crescente protagonismo do Poder Judiciário é um tema recorrente da discussão
política dos últimos anos. A literatura especializada tem se debruçado sobre esse fenômeno,
ganham destaque expressões – cujos conceitos por muitas vezes se embaralharam na
linguagem corrente – como ativismo judicial, judicialização e juridificação. O Brasil não é
alheio a essa tendência verificada em grande parte dos países ocidentais, uma vez que o STF
tem sido, frequentemente, provocado a se manifestar sobre temas muitos caros ao setor
político.
Um caso que remete a esse protagonismo foi o julgamento da ADI 4.650, em que foi
considerada inconstitucional a possibilidade de financiamento das campanhas eleitorais por
pessoas jurídicas. A próprio tribunal reconheceu que o funcionamento do processo político
eleitoral, por ser matéria sensível, impõe “uma postura mais expansiva e particularista do
Supremo Tribunal Federal, em detrimento de opções mais deferentes e formalistas, sobre as
escolhas políticas exercidas pelo parlamento”. Foram levantados temas como a
plutocratização do pleito eleitoral e o risco de captura do poder político pelo poder
econômico.
Porém, ao encarar tal caso somente pelas lentes do Judiciário e interpretar a decisão do
STF apenas como uma estratégia de aumento da própria projeção dentro do campo político,
certas dimensões escapam à análise. Atoine Garapon enxerga que a crescente expansão da
atuação dos tribunais está relacionada ao desencantamento com a eficácia da política e com o
sistema representativo. A via judicial passa a ser uma válvula de escape para o indivíduo fazer
valer seus direitos, situação que impele os julgadores. Essa pressão da sociedade civil sobre o
aparato judicante é observada, também, no caso em tela. O requerente da ação constitucional
foi o Conselho Federal da OAB, algo que só se tornou possível em razão da ampliação do rol
de legitimados da Constituição de 1988. Além disso, figuram como amicus curiae o Instituto
de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais, a Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ,
entre outros.
Tudo isso – a atuação de setores da sociedade no sentido de direcionar as cortes para
temas eminentemente políticos – revela temáticas muito caras ao jurista francês citado: a
mobilização do direito e a judicialização como um fenômeno político-social. Tal atuação,
porém, não é isenta de críticas. Ingeborg Maus, tendo como paradigma decisões do Tribunal
Federal de Justiça da Alemanha, alerta sobre os riscos que surgem quando essa mobilização
do direito pela sociedade converge com os interesses dos atores do Poder Judiciário. A noção
da via judicial como solução universal esvaziaria a via eleitoral e política, fazendo com que as
Cortes, ao se tornarem a boca definitiva da justiça social, passassem a se auto referenciar e,
aos poucos, a prescindir do texto constitucional. Talvez seja a consciência desse risco que fez
com que o STF, no próprio acordão em questão, asseverasse que “seus pronunciamentos
judiciais devem ser compreendidos como última palavra provisória, vinculando formalmente
as partes do processo e finalizando uma rodada deliberativa acerca da temática, sem, em
consequência, fossilizar o conteúdo constitucional”.
De todo modo, qualquer que seja a postura defendida perante o crescente
protagonismo dos Tribunais, adotar uma miopia juricêntrica em detrimento de uma
perspectiva político social levará a uma análise superficial do fenômeno da judicialização. Ao
chancelar ou criticar determinada decisão que, à primeira vista, parece exorbitar do campo
jurídico, é de grande valia ter no horizonte a dinâmica social que existe por trás da apreciação
do caso pela Justiça.
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