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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O judiciário e os percalços do poder interpretativo

    Ingeborg Maus é uma professora alemã que propõe uma análise sociológica sobre a forma como o judiciário alemão funciona como superego da sociedade. Nesse processo, a autora descreve uma infantilidade que causa o abuso, por parte das instituições jurídicas no que se diz respeito à convivência coletiva. Tal característica pode é semelhante às estruturas brasileiras, e pode ser uma boa forma para explicar algumas decisões proferidas pelo judiciário brasileiro. Maus afirma que conforme o poder judiciário adquire o domínio sobre a moral popular, ele se torna imune a críticas e se mantém desobrigado a seguir os interesses populares.

    Outro ponto a ser mencionado sobre o pensamento de Maus é que o fato de o Supremo Tribunal Federal controlar a interpretação da constituição, ele se torna acaba por excluir-se de obrigações constitucionais de acordo com o seu interesse. Diante dessa circunstância, podemos analisar a decisão judicial proferida pelo Ministro do STF, Dias Toffoli, sobre o cancelamento de uma liminar que exigia o aviso de conteúdo ofensivo e a necessidade de lacre para omitir a capa de livros, os quais contenham homotransexualismo. A decisão é um recurso interposto pela Procuradoria Geral da República sobre a interposição dos autos do Mandado de Segurança n˚ 0056881-31.2019.8.19.0000.

    A decisão em questão trata sobre o cancelamento de uma decisão que afrontava a liberdade de expressão no que se refere à homotransexualidade. A liminar julgada proibia a comercialização de livros que contivessem relações homoafetivas para o público infanto-juvenil, sob alegação de que tal conteúdo seria ofensivo a esse público e ofenderia a moral e a família. Esse argumento era embasado nos artigos 783 e 794 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/ lei 8.069/90) e fazia uso de interpretações enviesadas para tentar corroborar o interesse do legislador de impedir a livre expressão.
    Podemos perceber que a liminar insere-se exatamente no contexto proposto pela professora Maus, ela era a determinação dos interesses do judiciário e sobrepunha o interesse coletivo de liberdade e igualdade, sem discriminações, para todos o gêneros. Além disso, a tentativa de imputar pena de cassação da licença das bienais que não cumprissem a exigência de lacre e aviso sobre o conteúdo, representa uma afronta autoritária à liberdade protegida pela Constituição Federal de 1988. Como é importante frisar que essa medida insere-se no contexto de superação do interesse social em prol da dominação, por parte dos juristas, sobre a definição de moral.

     O próximo passo do recurso, foi a revisão do embasamento jurídico da liminar, na qual a PGR identificou a manipulação dos conceitos de moral e de conteúdo ofensivo utilizada para convencer o juiz do TJRJ a conceder a decisão favorável às exigências de controle sobre o conteúdo. Dias Toffoli argumenta sobre tal manipulação e reforça a ideia de Maus, ao afirmar que a liminar estava defendendo os interesses da corte e não da sociedade, além de aplicar uma interpretação da Constituição que feria diretamente os objetivos de liberdade, igualdade e não discriminação a qualquer sexo, raça ou cor.

    Com a devida maestria, a PGR quebra, nesse caso, com o autoritarismo do judiciário proposto pela professora Maus. Isso não significa que ela errou em suas afirmações, mas devemos reconhecer sempre que o funcionamento dos sistemas de controle instaurados na sociedade de forma legítima consegue atingir o seu objetivo social e, ainda, saber que a sua existência é decorrente justamente necessidade de uma instituição que seja capaz de defender os interesses coletivos em face dos embates sociais advindos da convivência de diferentes grupos de pessoas.

Álvaro Galhanone - Direito Noturno 1˚ ano.

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