No dia dezoito de agosto, as ONGs (estas juntamente com os órgãos públicos podem fazer esta ação) Educafro e Visibilidade Feminina, em conjunto com o Centro Santo Dias de Direitos Humanos protocolaram uma ação trabalhista contra a empresa do ramo financeiro Ável, subsidiária da XP inc, pedindo uma indenização de dez milhões de reais e um conjunto de medidas inclusivas devido a uma foto com seus funcionários na sede em Porto Alegre que a empresa postou. Nesta foto, a maioria dos funcionários são homens cisgêneros e brancos; falta de diversidade esta que de acordo com as ONGs gera danos sociais e morais para o coletivo.
Surpreendentemente para muitos, que esperavam que como de costume a justiça permanecesse inerte frente a desigualdade social, esta não decidiu ficar calada. Ainda em agosto, uma juíza da vara do trabalho decidiu acatar o processo. Diante desta decisão, a empresa decidiu se pronunciar, divulgando uma nota no mínimo "esfarrapada" e insatisfatória que representa uma visão da empresa de minimizar o problema. Em decorrência disto, o MPT-RS se posicionou favoravelmente ao processo, destacando a insuficiência da resposta da empresa e a abissal desigualdade de gênero e raça no mercado financeiro.
Apesar de ainda não haver um desfecho e o julgamento ainda não ter acontecido, toda esta movimentação jurídica por si só já carrega um grande peso sociológico. Se por um lado a marginalização de negros e mulheres é histórica e é satisfatório ver as empresas, por bem ou por 'mal', tornando-se mais inclusivas e diversificadas, é importante entender o papel do judiciário neste processo. Há uma tendência no Brasil e em diversos países, com a ascensão do neoliberalismo e um consecutivo descompasso do ativismo da classe política e das generosas garantias constitucionais criadas no período pós-ditaduras. Para preencher este vácuo da proteção destas garantias devido a inércia da classe política e a hostilidade por parte da sociedade (reacionários, bolsonaristas etc) em relação a elas, o judiciário tem se tornado crescentemente ativista, exercendo assim um maior protagonismo na sociedade e tutelando as relações sociais. Quem se aprofunda academicamente neste processo é o magistrado francês Antoine Garapon. Segundo este, a desagregação da harmonia social tende a ser remediada pelo judiciário, que acaba assumindo a magistratura do sujeito; uma vez que estes por motivos endógenos (como a pobreza, que prejudica o acesso à educação) acabam sendo muitas vezes incapazes de lidar apropriadamente com a autodeterminação. A classe política é diretamente afetada por essa incapacidade (uma vez que é diretamente eleita); assim uma função que seria do congresso como a de criminalizar a homofobia por exemplo, acaba recaindo ao STF.
A atual desarmonia social e seus reflexos obrigam, o judiciário a assumir então um papel ativo e fiscalizador (indo além da fiscalização já prevista que o Ministério Público deve exercer). A liberdade e a democracia, quando um de seus pilares está fragilizado (consciência social), para não deixar os indivíduos mais fragilizados a mercê da própria sorte, vê um outro pilar (neste caso os tribunais) se fortalecer para tentar manter o equilíbrio. Os tribunais então se utilizam do direito como ferramenta para fazer valer os direitos e deveres que deveriam ser sustentados por outros setores da sociedade. Os tribunais assim acabam afetando a moral e a própria consciência individual dos integrantes da sociedade. No caso da XP, a falta de diversidade nela deveria ser amplamente vista pela sociedade como problemática e indício forte da falta de compromisso da empresa com as causas sociais. Assim, idealmente, a sociedade boicotaria a empresa por ela não estar em sintonia com os valores da população. Infelizmente, devido a uma parcela considerável da população não ver como prioridade minorias sociais ocuparem mais espaços na vida pública e privada (e logo os políticos também não se sentirem dispostos a criar normas que possibilitem e facilitem tal), acaba sendo relegado ao judiciário promover este objetivo. Portanto, a juíza do trabalho não viu outra opção se não acatar o processo da ONG e o Ministério Público do Trabalho corroborar a decisão da juíza. Eles entendem o quão a foto da Ável é um reflexo danoso da marginalização social e uma empresa que é exemplo desta marginalização responder por esta atitude discriminatória promoverá uma maior conscientização sobre o tema e influenciará outras empresas a diversificarem seu corpo de empregados. Talvez não seja o ideal logo o judiciário estar fazendo isso, mas diante da inércia de quem deveria, ele no momento se apresenta como a solução.
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