Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Tribunal: palco da justiça na Democracia


Antoine Garapon trata no capítulo “A Magistratura do Sujeito”, presente em sua obra “O Juiz e a Democracia”, sobre o protagonismo exercido pelos tribunais na contemporaneidade devido à agitada reclamação por justiça reverberada ao longo do último século. Esse fenômeno tem, para o autor, raízes em transformações políticas, econômicas, sociais e históricas. Com a solidificação da Democracia, bem como do sistema capitalista aliado a um modelo neoliberal, as relações as quais permeiam a sociedade sofrem mudanças, acompanhadas pelo Direito (que tenta se adaptar aos novos cenários). Assim, promove-se cada vez mais a figura do indivíduo - livre e dotado de garantias constitucionais - ao mesmo tempo em que se enfraquecem fatores tradicionais responsáveis por padronizar e homogeneizar os sujeitos, levando aqueles com acesso à justiça a clamar aos magistrados por aquilo que lhes pertence. 

Nesse sentido, surgem demandas inéditas aos tribunais, a exemplo da petição para que uma cirurgia de transgenitalização fosse realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) proposta em Jales-SP em março de 2013. À época, a transsexualidade era ainda considerada (de maneira equívoca) um transtorno mental, sinalizado pelo uso do termo “transsexualismo” ao longo de todo o processo. Esse fato evidencia o estigma carregado por pessoas trans, graças ao preconceito imposto historicamente a essa parcela populacional pelo poder coercitivo da sociedade, ao qual Garapon concede o título de autoridade tradicional. Dessa forma, quando essa pressão social perde espaço no recente contexto sociopolítico, o Direito toma o lugar do que antes era uma moral conservadora e coletiva, na tentativa de efetivar a justiça proposta no papel - a qual, segundo o autor francês, ameniza as dores dos sujeitos organizados em sociedade - garantindo, por exemplo, à mulher transgênero em questão uma existência livre, plena e digna. 

Essa estrutura atribui bastante poder decisivo ao magistrado, uma vez que ele é constantemente procurado para a resolução de temáticas as quais a codificação foi incapaz de prever. Sendo assim, para Garapon o juiz deve exercer um Direito “para o amanhã”. A petição para a realização da cirurgia de transgenitalização pelo SUS ilustra perfeitamente a situação, haja vista é utilizado, além dos argumentos científicos e do próprio sofrimento da parte-autora, o Enunciado n. 276 da IV Jornada de Direito Civil para justificar a decisão em favor da redesignação sexual, configurando-se como uma ferramenta para adaptar a Lei a uma demanda reconhecida tão recentemente. Logo, os magistrados contemporâneos se utilizam do Direito para realizarem a tutela dos indivíduos desfavorecidos pelo escopo social, visando a uma Democracia verdadeira e, consoante a teoria de Garapon, conferindo poder aos cidadãos.


Caroline Migliato Cazzoli - Direito Matutino - Turma XXXVIII

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário