Na transição da decadência do Estado de Bem-Estar Social e no fortalecimento do neoliberalismo, houve um agravamento da fragilidade do sujeito. Dado esse panorama, Antoine Garapon desenvolve o conceito de Magistratura do Sujeito, ou seja, o juiz e o direito deixam a função de árbitros/ intermediadores e passam a exercer a função de tutela, colocando-se cada vez mais como autoridade faltosa dos assuntos particulares do cidadão. Essa ideia converge com a análise de Habernas acerca da Juridição da sociedade pois as relações sociais estão sendo colonizadas pela atividade reguladora do Estado.
Sobre esse
viés, nota-se que há dois lados do cabo de guerra: o ativismo judicial e a
auto-contenção. O primeiro está estritamente ligado a participação mais ampla e intensa
do Judiciário na reiteração dos valores constitucionais, por isso, os juízes
passam a expandir a interpretação da Carta Magna do país e a exercer o
protagonismo dos tribunais na contemporaneidade. Já o lado oposto, os juízes buscam
utilizar critérios rígidos e conservadores para a sentença de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos, além disso, abstêm-se de interferir
na definição das políticas públicas.
De maneira
análoga, é perceptível esse jogo de valores políticos e sociais na medida
cautelar do Supremo Tribunal Federal a respeito da proibição de obras
homoafetivas na Bienal do Livro. O desembargador Cláudio de Mello Tavares apoiou que agentes da prefeitura recolhessem obras com temática LGBTQIA+ que
fossem voltadas ao público infanto-juvenil e não estivessem devidamente
lacradas. Por meio desse mandato de segurança, ele representa um operador do
direito e impõe para a sociedade um viés do que deveria ser moralmente correto ou
aceito.
Em contraste, a
decisão do juiz Dias Toffoli concorda com o pedido que suspende o despacho do
presidente do TJ/RJ Cláudio de Mello Tavares e oferece luz a uma diferente interpretação
das leis que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador que representam
o povo. Nas palavras do juiz do STF: “De
fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes
convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas
umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo”, “Além desse
caráter instrumental para a democracia, a liberdade de expressão é um direito
humano universal – previsto no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948 –, sendo condição para o exercício pleno da cidadania e da
autonomia individual”.
Portanto, em
meio a deficitária representação social e política que seja capaz de atender
aos anseios da diversidade brasileira, não é raro que a sociedade voltada para o
neoliberalismo recorra à Justiça para tutela-los, assim, “o direito
transforma-se então na moral por ausência” (GARAPON, Antoine. 2002. p.151).
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