Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Judicialização, tripartição dos poderes e regimes de exceção

 O antropólogo e sociólogo Antoine Garapon entende a judicialização como um fenômeno político-social, que decorre de diversas evoluções e mudanças das últimas décadas, como o avanço de ideias neoliberais, a crise de representação política, do estado de bem-estar social e o processo político de avanço do garantismo constitucional, porém sem as respectivas mudanças reais em relação aos pontos trazidos na letra do ordenamento.

Assim se constitui a “magistratura do sujeito”, que se qualifica no “intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor”, trazendo “a justiça”. Nesse contexto, o juiz deve se colocar no lugar da autoridade – que, nesse entendimento, deveria assegurar certos direitos ou instrumentos, porém não o fez – para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão.

Essa abordagem entende que, quando chamado, o judiciário deve agir de forma a decidir pelo que garanta os direitos e garantias que se propõem, em favor do indivíduo ou grupo em questão, em detrimento do estado ou outra instituição com a prerrogativa de trazer ou não o objeto em questão como norma.

Vemos essa abordagem na interpretação do Ministro Luís Roberto Barroso em relação a descriminalização da interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre, na sua redação do acórdão em matéria no HABEAS CORPUS 124.306, de 2016 (1). Na peça, o Ministro argumenta que criminalizar a prática iria na contramão de direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Em sua análise, ele limita o Estado em relação a decisões que poderiam “ir acima da autonomia e autodeterminação individual”, não submetendo o sujeito a qualquer sanção.

Esse caso não ficou sem suas controvérsias e dissensos, dado que sua interpretação foi um marco que veio na contramão de decisões anteriores e do que era consenso até o momento. Podemos dizer que sua decisão segue as teorias de Garapon, logo que o juiz balizou sua interpretação na vontade de historicizar e reinterpretar a norma, podendo ou não ter respaldo na letra da lei ou em entendimentos majoritários, a fim de expandir direitos e garantias. 

Porém, devemos nos atentar aos riscos de se conceder ao judiciário o poder de “legislar” (2), fato que acontece no Brasil de forma crescente desde a redemocratização e da constituição de 88. Se é concedido ao juiz trazer algo que se assemelhe a seu entendimento pessoal do que está em pauta, pode-se abrir para todo tipo de exceção, personalismo e casuísmo nas decisões. Além disso, é atribuição geral do legislativo decidir por questões como aborto, homofobia e racismo – mesmo que possamos entender que há um vácuo normativo em relação a esses itens, fazer com que um poder transgrida em suas atribuições, criando um regime de exceção, não é correto e gera atritos institucionais. 


Referências:

(1)   https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12580345

(2)   https://www.conjur.com.br/2018-jun-30/diario-classe-legislacao-brasileira-concede-licenca-judiciario-legislar



Miguel Francisco 

Nenhum comentário:

Postar um comentário