O processo de judicialização de grandes questões tem sido alvo de grandes discussões no universo acadêmico, sobretudo no que tange os estudos do Direito. Ingeborg Maus, analisando a situação de modo a explicitar a dilatação do judiciário em detrimento aos demais poderes da República, aponta que essa dinâmica coloca sérias questões políticas e sociais à mercê de uma seleta gama de profissionais. Fato é que, por mais que o exercício da magistratura exija neutralidade do juiz com a respectiva previsão legal para tal (CF, art. 5º, LIV; CC, artigos 144 e 145), é indispensável a noção de que fatos sociais e uma moralidade comum são inerentes a qualquer indivíduo, a qualquer profissional, a qualquer área.
Tendo isso em vista, é perfeitamente plausível a ideia de que a Justiça é exercida de diferentes formas para diferentes grupos. No caso de concessão de habeas corpus para Adriana Ancelmo, a qual foi condenada pelo crime de peculato ao lado de seu ex-companheiro Sérgio Cabral (HC 383.606), por exemplo, nota-se que a decisão favorável a sua prisão domiciliar é completamente distinta daquela que assola a maior parte das mulheres encarceradas no Brasil. Isso porque, a partir dessa análise, é perceptível a maneira como a prática jurídica não está além da luta de classes: pelo contrário, no Estado burguês, é muito mais comum que as estruturas sejam regidas de modo a favorecer aqueles que mais atendem os ideais da hegemonia. Apesar da inegável condição social de hipossuficiência em razão das estruturas de poder tangentes ao gênero, raça e classe são fatores fundamentais na tomada de decisões, como sintetiza Ingeborg Maus ao discutir a autorreferência dos magistrados em suas decisões.
Desse modo, aos que são subpostos à hegemonia de branquitude de classe alta cabe a via contrária nas ações do judiciário: entendendo, ainda que inconscientemente, a dinâmica da judicialização, entendem que o judiciário é a única maneira de reparação de seus direitos. Ocorre que, justamente por isso, o sistema que vem se firmando é retroalimentado pela gigante demanda da Justiça no amparo aos que a apreciam, o que Antoine Garapon identificou como a “magistratura do sujeito”.
Luiz Gustavo Couto de Oliveira, Turma XXXVII (Noturno).
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