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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O direito a interromper a gravidez de fetos anencéfalos pelo olhar de Bourdieu.

Diante da importante decisão do Supremo Tribunal Federal em julgar-se, por 8 votos a 2, a favor do pedido ajuizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, a partir da qual o aborto de fetos anencéfalos passa a ser permitido, existe um grande avanço que prioriza a dignidade da pessoa humana, deixando arcaico tradicional e os preceitos religiosos.
Durante o processo, vários argumentos foram postos a favor do pedido, dos quais pode-se destacar os apontados pelo Ministro Marco Aurélio, que foi relator do processo e que de várias formas justificou-se. Os direitos básicos da mulher devendo prevalecer sobre os de um feto sem chances de vida, para não se desrespeitar a constituição, evitando riscos irreparáveis à saúde e ao psicológico da mãe, garantindo assim, sua privacidade, autonomia e dignidade foi o primeiro pretexto apontado pelo relator para se mostrar a favor da liberação.
O ministro também ressaltou para o fato de que a época em que o código foi escrito pouco se conhecia sobre o assunto e por isso deve-se repensar sobre, o que pode ser forçado pelo pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu, que direciona para necessidade do juiz não ser apenas um executor da lei, tendo, desse modo, autonomia e adaptando o que se tem às novas circunstâncias, afinal, como ele também aponta, a judicialização do direito serviria para, de uma nova forma, lidar com o que outros órgãos não conseguiram, assim como, nessa decisão, o Supremo Tribunal Federal objetivaria resolver o problema da violação da dignidade humana que o legislativo (que seria o responsável por regular as leis para quem nessa discussão se mostrou contra), até o momento, foi incapaz de resolver.
O relator também aponta para a laicidade do Estado, eliminando assim a argumentação por preceitos religiosos da discussão. Marco Aurélio ainda se mostrou contrário à ideia da utilização dos anencéfalos para doação de órgãos, justificando-se pelo fato de existirem outras anomalias decorrentes que impediram a doação.
Outros ministros também se pautaram na integridad da pessoa humana, assim como Rosa Weber, que citou o Conselho Federal de Medicina para comprovar a morte do anencéfalo pela ausência de atividade motora decorrente da morte cerebral, ressaltando os direitos da mãe, viva, sobre a impossibilidade de vida, citando também a presença da garantia de sua dignidade na Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III.
Assim, agindo como afirmou Bourdieu para a necessidade das lutas sociais se pautarem em algo legitimável para promover mudanças no campo jurídico, o movimento pautou-se na dignidade da pessoa humana acima da impossibilidade de vida do feto e do decorrente sofrimento. Essa luta simbólica pelo campo jurídico, que existe pela permeabilidade do direito, como a firma o sociólogo, foi dessa forma legitimada, tendo como produto um veredicto favorável a ação que foi encaminhada por profissionais de saúde, os quais de forma eficaz, pela razão (o que contribuiu para a legitimação, de acordo com o autor), trataram da integridade da mulher adequadamente diante de um sistema que a época em que foi construído desconhecia sobre a anencefalia e desconsiderava totalmente a mulher e desse modo estaria, enquanto sozinho, despreparado para lidar com o caso.
Monica C. dos A. Bueno
1º ano de direito noturno.

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