A mulher ao longo da história enfrentou
e enfrenta diversas e árduas lutas para que seus direitos estejam em
constante igualdade com o gênero masculino, que sempre gozou de
privilégios e participação nos campos políticos. Nessa
perspectiva, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher entram em
pauta quando a temática aborto aparece em alguma discussão nos
diversos âmbitos da sociedade, assim não seria diferente quando a
Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental 54,
tratando de aborto
de anencéfalos, o direito da mulher estaria em
regra.
Em
primeiro plano, o ministro relator
Marco Aurélio, favorável a
descriminalização de aborto em caso de anencefalia, introduz a sua
argumentação retratando a realidade e a importância que tal
tribunal possui quando se trata dessa questão, uma vez que cerca de
três mil autorizações para a interrupção gestacional foram
formalizados por tribunais de justiça até o ano de 2005. Diante
desse quadro, o Brasil é colocado em 4° posição de países do
mundo em casos de fetos
anencéfalos, visto que a
cada três horas é realizado um
parto de um feto portador dessa condição, segundo dados da
Organização Mundial da Saúde entre os anos de 1993 e 1998. Visto
isso, essa problemática apresenta grande relevância na vida de
milhares de mulheres e não deve ser negligenciada.
Nesse
sentido, o seguinte julgado consegue ser contextualizado com a
ideologia de Pierre Bourdieu, grande sociólogo francês do século
XX, que em sua abordagem
sobre o campo jurídico evidenciou
que o Direito não apresentaria certa autonomia, como defendia Hans
Kelsen, mas sim deveria desamarrar-se do formalismo que
consequentemente o transformaria em um instrumento de classe. Dessa
forma, o direito deve apresentar neutralidade
e universalidade, entretanto
na situação de liberação da prática abortiva, o Estado teve
grande vinculação com
concepções religiosas no passado, que segundo Marco Aurélio não
podem guiar decisões estatais. Assim, a questão de abortos de
anencéfalos deve-se
fundamentar na
laicidade do Estado sem que haja arbitrariedade
nas decisões finais.
Contrariando
o argumento do relator, o ministro Cezar Peluso sustenta que a
situação do feto é
comparada a condição de descarte e que
liberação da interrupção da
gravidez de fetos anencefálicos poderia corroborar para a
discriminação e consequentemente a uma visão eugênica, como
também levanta Lewandowski. Contudo, segundo
Dr. Thomaz Rafael Gollop, apresentado na argumentação de Marco
Aurélio, o anencéfalo não tem atividade cortical, ou seja além de
não obter expectativas de vida é um morto cerebral e
consequentemente é juridicamente morto. Dessa maneira, os direitos
de escolha da mulher devem ser prevalecidos e resguardados abrindo a interpretação e expansão da norma.
Em
suma, alguns operadores do direito usam de seus recursos como a
jusrisprudência, a doutrina e entre outros elementos que Bourdieu
denomina de Espaço dos possíveis, para que se atinja a distinção
e a dominação através do poder simbólico. Em
vista disso, a historização da norma, para o francês, seria a
adaptação e
interpretação da norma que deve ocorrer com as modificações
ao longo da história, e
assim o direito não deve se
esquivar das questões sociais, mas utilizar-se de seu campo para
abordar diferentes e importantes pautas que permeiam os tecidos
sociais.
Ana Laura Albano 1° ano (noturno)
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