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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Habitus Jurídico e a Dimensão Simbólica do Direito


   O Supremo Tribunal Federal brasileiro, ao recepcionar – em sessão plenária – arguições, tal como a de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, assume a incumbência de resguardar as premissas constitucionais ali presentes, realizando, teoricamente, o devido controle de constitucionalidade requerido. O que se resulta desse processo – e é imanente à própria solicitação, no entanto, transpõe as meras barreiras legais que circundam o exercício judiciário. A atividade jurídica, principalmente no que se vincula às decisões provenientes da magistratura, abarca, de acordo com a óptica sociológica bourdieusiana, um amplo espectro simbólico e conflituoso, envolvido por práticas e nuances reiteradas, submetidas à determinada disposição classista.
   Nesse ínterim, o julgado referente à interrupção terapêutica da gravidez de fetos anencéfalos revela, à luz da obra “Poder Simbólico” (P. Bourdieu), as dimensões sociais e filosóficas que se ocultam às sombras do Código Penal brasileiro e da Constituição Federal, estabelecendo-se, portanto, uma interconexão normativa com as decisões deferidas pelas diversas instâncias judiciais. Isto posto, a permanência da criminalização do cessar gestacional, em casos de comprovada anencefalia do feto, até o ano de 2012, expõe a negligência dos tribunais brasileiros, tanto frente aos princípios fundamentais do Direito nacional, quanto à reformulação de seus conceitos. A título de exemplo, a interrupção terapêutica (anencefalia) não constituiria violação ao Direito à Vida, em virtude da ausência de potencialidade de vida, visto sua qualificação como “malformação letal do feto”, proferida pela comunidade médica. Por outro lado, a evolução conceitual histórica dos termos “Dignidade”, “Saúde” e “Vida”, representa a correlação entre as ciências, a filosofia e a subjetividade humana. Em decorrência dessa trajetória, faz-se imprescindível a reinterpretação das normas e princípios vigentes.
   Não obstante, a inabilidade dos magistrados em aderirem-se ao progresso social que se realiza a partir dessas ressignificações, evidencia um “Habitus” jurídico. Estendendo essa questão sob a pauta da ADPF nº 54, torna-se inequívoca a ponderação falha dos princípios constitucionais ao se criminalizar a antecipação do fim da gestação. Mantê-la na esfera das ilicitudes implica, necessariamente, na condenação psicológica, emocional e, potencialmente física, da futura mãe. Obrigar, por meio do poder simbólico normativo, a perpetuação de uma gravidez inviável é condenar ao sofrimento e ausentar – ativamente – a dignidade humana. Desse modo, a negligência citada frente à reformulação terminológica ocorre em decorrência desse Habitus, uma disposição incorporada pela conduta judicial que reflete, também, referências de gênero, em função da prevalência quantitativa de juízes. Ademais, a tentativa de se introduzir novas significações no âmago do ordenamento jurídico, assim como apresentar a referida ADPF a Suprema Corte, exprime a luta pelo poder simbólico e sua dinamicidade, como exposto por Bourdieu. Trata-se, por fim, do conflito pela apropriação da força simbólica contida nos textos jurídicos e sua posterior capacidade de mobilização no âmbito interno do Campo. Surge, daqui, outra problemática: a autorreferência do Sistema que envolve a criação, interpretação e aplicação normativa. Esse procedimento, que suscita a promiscuidade entre as estruturas legais e de legitimação, adquire ares artificiais de legitimidade, cessando o poder que imbuí o consentimento popular e, consequentemente, as probabilidades de se promover alterações reais às normas positivadas, propiciando a manutenção do Habitus vigente e seu respectivo ordenamento.
(Caio Laprano - 1º Ano - Noturno)

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