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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Aborto em fetos anencéfalos como uma forma

de se entender o mundo em Bourdieu


Sempre houveram diversas discussões e diferentes opiniões acerca de assuntos como aborto, assim como muitos outros que são demasiadamente ignorados na maioria das vezes,  a fim de evitar uma grande movimentação em torno desses tópicos que, de certa forma, ferem significativamente uma parcela específica da sociedade, por diversos motivos, podendo ser eles culturais, sociais ou religiosos. Este último, encontra-se no ápice dos motivos, digamos assim.  Toda a fundamentação de opiniões, quando existem duas delas que sejam contrárias, na maioria dos casos é fruto de um embate entre a ciência e a religião. Dessa forma, cabe ao sistema jurídico e ao Direito em si ponderar a melhores alternativas que auxilie a sociedade da melhor forma possível, e isso não seria diferente quando se trata de aborto em fetos anencéfalos, assunto que desperta embates longos e diversificados, que incitam um estudo criterioso em detrimento de saúde pública, principalmente.

        Para Bourdieu, existem três formas diferentes de se entender o mundo. A primeira delas é de acordo com a fenomenologia, na qual diz que ver o mundo de acordo com essa forma seria enxergar os fenômenos como eles são, ter um viés imediatista, seria o que se consegue ver no momento e atribuir consequências vigentes para tal fenômeno a partir do momento em que ele aconteceu. Assim se dão muitas opiniões quando trata-se da vida, e isso ocorre porque algumas pessoas, por enxergar determinados casos com um olhar religioso, acreditam que as coisas são porque são, e a razão do acontecimento de algum fenômeno ou as consequências que o mesmo pode trazer são ignoradas, porque assim é o acontecimento, assim foi quisto por Deus, e nada pode ser feito para reverter a situação.

        Pensando por este lado, o caso de liberação do aborto em fetos anencéfalos têm sido uma polêmica, afinal, muitos acreditam que é inaceitável que tirar a vida de alguém seja algo livre, mesmo que os fatos não sejam exatamente esses e hajam múltiplos motivos com embasamento legal que permitem que esse aborto seja realizado de forma rápida e segura para que não haja o sofrimento exacerbado que costuma agredir a mulher, tanto física como psicologicamente.

       O anencéfalo é um embrião que no início de sua concepção foi formado sem a caixa craniana ou sem o cérebro, e as crianças que são diagnosticadas com essa formação são, de acordo com a Biologia, inviáveis. O anencéfalo pode ter um período de vida de horas assim como em alguns casos pode ter um prazo mais prolongado, porém, em certo ponto todos os fetos portadores da anencefalia irão à óbito. Ou seja, trata-se de uma questão patológica e não fisiológica, sendo equivocado tratar do aborto de anencéfalos da mesma forma que se trata o aborto convencional, afinal, no caso dos fetos anencéfalos não há nenhuma chance de desenvolvimento extra-uterino.

        Chegando nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal se sensibilizou com essa questão, já que isso diz respeito a determinados preceitos fundamentais dentro do sistema jurídico como a dignidade da pessoa humana (obrigar uma mulher a gerar um feto que irá a óbito fazendo-a amar e se preparar para a maternidade daquela criança é uma ação análoga à tortura), a legalidade, liberdade, autonomia da vontade e por fim, o direito à saúde.

      No documento desenvolvido pelo STF revelando a decisão do tribunal encontra-se a seguinte informação: “O pleito final versa sobre a técnica da interpretação conforme a Constituição, assentada a premissa de que apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo do crime de aborto”.(Esclareceu Nelson Hungria aquilo que condiz com sua visão)

“Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há como falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto”. (NELSON HUNGRIA, em “Comentários ao Código Penal”)

      De volta para Bourdieu, analisamos a fala de Nelson Hungria ao passo que caminhamos para a segunda forma de se entender o mundo segundo Bourdieu, que seria a forma objetivista. Percebe-se que esta forma está sendo utilizada quando você começa a compreender as relações de causa e efeito e, principalmente as relações socioeconômicas entre os fenômenos. Assim, podemos notar que quando algumas mulheres de determinadas classes como C e D, que são consideradas inferiores, possuem muito mais dificuldade para recorrer por seus direitos no campo jurídico quando se encontram em situação de gravidez de um feto anencéfalo, acontece devido a falta de escolaridade e a falta de poder aquisitivo dessas mulheres, que não só são desprotegidas no âmbito da saúde como são desprotegidas juridicamente também. Enquanto isso, as classes A e B, por serem classes onde as mulheres pertencentes possuem mais poder aquisitivo, sempre tiveram a possibilidade de abortar mesmo que isso pudesse significar, em algum ponto, um procedimento às margens da lei.
      Por fim, há a forma praxiológica, que seria a terceira forma de se entender o mundo para Bourdieu. Esta, realizaria a ponte entre as duas formas anteriores: fenomenológica e objetivista. Com esse método é possível compreender as situações socioeconômicas que interferem em determinados casos e causam uma certa situação problemática. É o ponto que enxerga-se a mudança e realiza-se a interiorização das situações que são externas a nós, a ponto de incluirmos nosso individual dentro do todo.
       Assim observamos que, os casos de aborto de anencéfalos diz respeito à saúde pública geral, e que pensar no bem estar de uma mulher é determinar um habitus — para Bourdieu, o habitus realiza a ponte entre o coletivo e o individual, e este determina que as formas de comportamento e as formas de agir obedecem a padrões sociais — e pensar no coletivo para além de um individualismo que ocupa apenas um espaço que abrange um campo conservador.                 
      Desse modo, pensar em um habitus que inclua e pense em todos os indivíduos e suas necessidades é ocupar um campo que abriga outras pessoas e pensa na coletividade de forma equânime, sem sofrimento e com ênfase no livre arbítrio.

Beatriz Dias de Sousa
1º ano Direito - Noturno

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