A
análise do sociólogo acerca dos fenômenos jurídicos e de tudo o que os ronda,
nos elucida de vários aspectos de como funciona as engrenagens do sistema
jurídico. O campo jurídico brasileiro, de origem romano-germânico, possui
várias características que condizem com a teoria de Bourdieu. E para efeitos
comparativos, faremos a análise da ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental) demonstrando como os preceitos de Pierre atuam na
prática.
Todo
o processo exige uma formalidade, que caracteriza até mesmo o “habitus” do
campo jurídico, trazer ao STF a questão do aborto de anencéfalos, através do
relator Marco Aurélio Mello põe em voga vários fatores controversos em
julgamento. A partir daí podemos ver uma questão em que Bourdieu foi contra
Hans Kelsen, para o jurista o direito é completamente independente dos
constrangimentos e das pressões sociais, sendo apenas o direito capaz de moldar
o direito. Porém isso não condiz, exemplarmente demonstrada na ADPF 54, pois
quaisquer que sejam os valores discutidos dentro do julgado, eles advêm de
fora, da sociedade. E muitas dos argumentos que causam controvérsias no caso provem
dos campos da religião e da ciência. Tese essa sustentada por Pierre, para ele
a sociedade é composta por vários campos diferentes que interagem entre si, e
quanto mais capital o indivíduo possui em distintos campos, mais poder ele pode
exercer. Desse modo, cabe aos ministros, pessoas de excelentíssima capacidade
julgar qual escolha será benéfica para a sociedade.
Consequentemente,
o próprio direito adotou um rumo de racionalização para que as escolhas feitas
pelos ministros não tenham caráter arbitrário, e sim um apuramento acurado dos
fatos analisados. Fatores esses esclarecidos nas escolhas gramaticais, como a
neutralização (que adota vocabulários de neutralidade diante do assunto) e
universalização (que dá o efeito de que a escolha não é feita única e
exclusivamente mediante a própria consciência, e sim para toda a sociedade). Somando
o fato de que o veredito é uma maneira de assinalar o ponto final de toda uma
lógica racional própria, mas que é plenamente aceita por ser acompanhada de
toda uma seguridade jurídica de que aquilo é justo para a sociedade. Além
disso, outra característica do caso que tem muito a nos demonstrar os aspectos
do judiciário brasileiro é quem conseguiu levar tal processo ao STF, que foi a
CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde).
A
questão do aborto é amplamente debatida como um direito da mulher. Mas tal
processo só pode chegar a tal instancia devido os processos que os agentes da
saúde sofrem quando praticam a antecipação terapêutica da gravidez. Um outro
grupo de grande poder simbólico (o campo médico) utiliza do direito para
conseguir “privilégios” e não sofram mais processos por conta disso. Tal fato
caracteriza outro fato abordado por Bourdieu, o instrumentalismo do direito,
que nada mais é do que o uso do direito para a garantia de benefícios para um
grupo de poderosos.
Apesar
da superficialidade da abordagem das teorias de Bourdieu, já se é capaz de
compreender o quanto ela realmente se enquadra nos moldes do direito atual. O
caso do aborto de anencéfalos também é palco de muitas controvérsias e debates
prolongados e profundos sobre até onde se pode definir a vida. Apesar de toda
as análises e críticas, o sistema judiciário continua assim como a vida,
seguidamente protocoladas.
Marcelo de Meirelles Filho - Turma XXXVI noturno
Marcelo de Meirelles Filho - Turma XXXVI noturno
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