O
ministro Lewandowski, no caso da liberação do aborto de anencéfalos, votou
contra a arguição. À princípio, um leigo pode pensar que o primeiro argumento
dele foi em relação ao Direito à vida, que é garantia constitucional, ou a
invocação dos aspectos mais conservadores da sociedade brasileira. Porém,
contrariando todas as expectativas, a primeira linha de defesa dele foi um
criminalista renomado que se posicionava contra a eugenia (o que é, na verdade,
muito bom, considerando as facetas assustadoras desse processo que já aconteceu
na história do mundo). Isso demonstra, como Bourdieu apontou em sua obra “O
poder simbólico”, que, ao procurar a sua defesa em um precedente (doutrina), que
caracteriza um espaço de possíveis dentro da lógica jurídica, e não no senso
comum, o ministro procurou se legitimar de uma maneira objetiva, neutra, racional
e universal, por mais que suas motivações pudessem ser outras.
Com
isso, não procuro afirmar a autonomia do Direito, como fez Kelsen, tampouco
afirmar que os ministros são instrumentos de dominação de classe. Na verdade, é
um pouco dos dois e nenhum deles, por consequência. A lógica interna, ou seja,
aquilo que define a forma, e a lógica externa, o que influencia o conteúdo,
atuam juntos nesse processo, e não separados.
Ademais,
é importante ressaltar também que, apesar de a disputa inicial ser entre
setores da sociedade, quando os membros do judiciário a “traduzem” para sua língua,
ela passa a ser, nas exatas palavras de Bourdieu, “uma luta simbólica entre
profissionais” (BOURDIEU, P. 225, 1989). Isso fica explícito quando Lewandowski
utiliza a doutrina de Barroso para argumentar contra o próprio no processo. Em
outras palavras, “fica pessoal”.
Outro
ponto importante é que, no fim, essa questão toda acaba se resumindo a abertura
de novos mercados para os profissionais do Direito a partir da jurisdicização
de uma questão inicialmente social. Em outras palavras, juízes, advogados e
outros conclamam as minorias a exigirem seus direitos com o objetivo aumentar a
procura por seus serviços. Afinal, as mulheres ricas abortam de qualquer
maneira.
Por
fim, a decisão final do judiciário, que foi pela aprovação do aborto nesse caso
específico, por mais que tenha garantido mais liberdades às mulheres, acabou
sendo um tanto arbitrária por se apropriar da realidade, ou seja, retirar a
escolha das mãos do legislativo, que é o órgão de representação máxima do povo.
A própria Carmem Lúcia, que tem espaço
de fala maior por ser mulher, argumenta que a decisão é uma mera interpretação
do Código Penal e não um tema tomado da sociedade pelo judiciário. Ou seja, ela
tenta se legitimar.
Por incrível
que pareça, o ministro Lewandowski é o verdadeiro defensor dos interesses da
sociedade (mesmo que não fosse muito bem essa a intenção) ao afirmar que essa
decisão não é da competência do judiciário, porque, como ele diz, a lei é clara
e cabe ao legislativo decidir mudá-la.
Sofia Foresti Pequeno, Direito noturno
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