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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Carneiro em pele de lobo


            O ministro Lewandowski, no caso da liberação do aborto de anencéfalos, votou contra a arguição. À princípio, um leigo pode pensar que o primeiro argumento dele foi em relação ao Direito à vida, que é garantia constitucional, ou a invocação dos aspectos mais conservadores da sociedade brasileira. Porém, contrariando todas as expectativas, a primeira linha de defesa dele foi um criminalista renomado que se posicionava contra a eugenia (o que é, na verdade, muito bom, considerando as facetas assustadoras desse processo que já aconteceu na história do mundo). Isso demonstra, como Bourdieu apontou em sua obra “O poder simbólico”, que, ao procurar a sua defesa em um precedente (doutrina), que caracteriza um espaço de possíveis dentro da lógica jurídica, e não no senso comum, o ministro procurou se legitimar de uma maneira objetiva, neutra, racional e universal, por mais que suas motivações pudessem ser outras.
            Com isso, não procuro afirmar a autonomia do Direito, como fez Kelsen, tampouco afirmar que os ministros são instrumentos de dominação de classe. Na verdade, é um pouco dos dois e nenhum deles, por consequência. A lógica interna, ou seja, aquilo que define a forma, e a lógica externa, o que influencia o conteúdo, atuam juntos nesse processo, e não separados.
            Ademais, é importante ressaltar também que, apesar de a disputa inicial ser entre setores da sociedade, quando os membros do judiciário a “traduzem” para sua língua, ela passa a ser, nas exatas palavras de Bourdieu, “uma luta simbólica entre profissionais” (BOURDIEU, P. 225, 1989). Isso fica explícito quando Lewandowski utiliza a doutrina de Barroso para argumentar contra o próprio no processo. Em outras palavras, “fica pessoal”.
            Outro ponto importante é que, no fim, essa questão toda acaba se resumindo a abertura de novos mercados para os profissionais do Direito a partir da jurisdicização de uma questão inicialmente social. Em outras palavras, juízes, advogados e outros conclamam as minorias a exigirem seus direitos com o objetivo aumentar a procura por seus serviços. Afinal, as mulheres ricas abortam de qualquer maneira.
            Por fim, a decisão final do judiciário, que foi pela aprovação do aborto nesse caso específico, por mais que tenha garantido mais liberdades às mulheres, acabou sendo um tanto arbitrária por se apropriar da realidade, ou seja, retirar a escolha das mãos do legislativo, que é o órgão de representação máxima do povo.  A própria Carmem Lúcia, que tem espaço de fala maior por ser mulher, argumenta que a decisão é uma mera interpretação do Código Penal e não um tema tomado da sociedade pelo judiciário. Ou seja, ela tenta se legitimar.
            Por incrível que pareça, o ministro Lewandowski é o verdadeiro defensor dos interesses da sociedade (mesmo que não fosse muito bem essa a intenção) ao afirmar que essa decisão não é da competência do judiciário, porque, como ele diz, a lei é clara e cabe ao legislativo decidir mudá-la.
Sofia Foresti Pequeno, Direito noturno

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