Com a descrição
delicada e sensível exposta na canção “gente” de Caetano veloso, é possível
analisar a grandeza e a complexidade de determinar o conceito de vida, sendo
assim completamente distinto da ideia de sobrevivência. Desse modo, por meio da
ADPF 54, que trata sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o aborto
de anencéfalo no Brasil, é possível analisar que as esferas sociais, como a
moral, a religiosidade, a área de ciências biológicas e principalmente o
direito, não conseguem definir com delicadeza e com senso humanitário o que é
realmente a vida, visto que de modo sucinto, todas essas esferas possuem como
foco a sobrevivência do ser humano, não definindo assim, o real sentido da
vida.
Mesmo que os ministros
do STF que votaram nessa ADPF 54 sejam muitíssimo preparados e de alta patente,
a definição de “o que é uma vida” ainda se faz deficiente nesse meio (e também
entre os juízes de outras estancias). Levando em consideração o conceito de
Habitus, que Bourdieu tanto levanta em seu livro “O poder simbólico”, a
condição de vida da maioria desses juízes que pertencem desde sua infância a
classes sociais mais favorecidas, faz com que suas a visões de mundo não sejam
tão sensíveis e compreensivas perante os vários cenários sociais do Brasil, que
se faz totalmente diferente da realidade social desses juristas, e por isso
aumentando ainda mais a dificuldade em definir de maneira cabível e sensível a
diferença de viver e sobreviver.
Contudo, seguindo mais
uma vez a ideia de Bourdieu, tal cenário tende a mudar lentamente, visto que
mais indivíduos que pertencem a classes sócias desfavorecidas, ascendem a
cargos de grande importância para o ramo do jurídico, e assim podendo julgar o
caso com maior sensibilidade e com maior lugar de fala.
Além disso, o direito
não consegue definir com real perspicácia o que é a vida, pois esses juristas também
devem analisar a sociedade brasileira que ainda segue as ideias estabelecidas
pela moral e religiosidade, e ambas definem a vida como sinônimo de sobrevivência
ou como um “presente” oriundo de Deus, independentemente dos riscos que pode
apresentar a mulher, ao feto ou as condições sociais e financeiras após o
parto, e assim desconsiderando a discrepante desigualdade social que há no Brasil,
além de ignorar totalmente a decisão da mulher sob seu corpo e sua vida.
Entretanto, até mesmo área das ciências biológicas, também definem a vida como
sinonímia de sobrevivência, visto que sua função muitas vezes se limita a manutenção
da sobrevivência do indivíduo, não suas condições sociais e qualidade de vida.
Por conseguinte, são
todas essas circunstâncias citadas, que fazem com que aborto de anecefalos gere
uma polemica tão grande, e que deve ser analisado sob o prisma de diversas esferas sociais
brasileiras, ainda que tal decisão deveria, desde o princípio, se restringir
apenas decisão da mulher e com um viés constitucional, visto sua prioridade
hierárquica parente todas repartições do direito. Ademais, é indubitável, que a
definição de vida é extremamente complexa, e vai muito mais além do que a ideia de sobrevivência, as quais na pratica não condiz com o conceito de viver exposto por Caetano veloso.
Lívia Ribeiro Cunha DIREITO-NOTURNO
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