Bourdieu propôs um novo modelo de
interpretação da sociedade. Seu objeto de análise, a sociedade contemporânea,
era mais complexa do que a analisada por seus predecessores. Assim,
ele decide estudar e analisar a complexidade da sociedade. Se outros autores
propuseram uma ou algumas perspectivas para entender a sociedade, Bourdieu
proporá várias e consequentemente, o estudo e a analise ficará mais profunda e
complexa.
Há
alguns exemplos que explicitam o pensamento do autor. Ao lançar o conceito de
capital cultura a desigualdade deixa de ser explicada única e exclusivamente
pela perspectiva material e passa a ser mais ampla. Uma criança pode ter
acesso a mesmas condições materiais que outras, porém devido a sua família ter
um capital cultural maior, ela provavelmente terá um desempenho melhor que as demais.
O capital cultural rompe com a ideia de que pessoas com menor condição
financeira seriam menos inteligentes por natureza, e mostra que não basta igualar
ou aumentar a condição financeira da população para termos uma sociedade mais
igualitária e melhor.
Novamente,
o conceito de capital cultural, juntamente, com o capital social, explica
porque nem sempre o empresário com o maior poder financeiro (capital financeiro),
será uma liderança de sua classe. Quem liderará ou se sobressairá em determinada
classe ou grupo é o agente social que detiver a melhor quantia de capital ou
capitais necessária para aquela situação. Desse modo, o melhor aluno do Colégio
São Luís, colégio da elite paulistana, não será o mais rico, mas o que alinhar
o dinheiro (para pagar a mensalidade), e o capital cultural e social para conviver
e fazer uso de suas oportunidades.
No
direito, a analise funciona de maneira parecida, há um campo dinâmico em disputa
mobilizando o direito hora para um lado, hora para o outro. O direito é
dinâmico porque os capitais envolvidos no campo jurídico também são dinâmicos.
Esse fenômeno é perceptível quando o STF deixa de julgar condutas suspeitas do
ex-juiz Sergio Moro, devido ao seu capital social, mas agora que esse capital
social está se exaurindo o STF certamente julgará, para o bem ou para o mal.
Ainda que o absolva, não havia espaço, no espaço dos possíveis, que possibilitassem
sequer imaginar o ex-juiz sendo julgado anteriormente, devido ao seu fortíssimo
capital social.
Na ADPF
54, é perceptível que há mobilização do direito e de vários capitais entre as
partes e no voto dos ministros. Lewandowski, em seu voto, ressalta a ausência
de capital político da corte para debater tema, nem considerando o aspecto
social ou cultural da temática em julgamento. Celso de Mello faz um longo
apanhando buscando aspectos sociológicos, jurídicos e culturais para justificar
seu voto, a favor de permitir o aborto no caso de anencefalia. O que é visto
nesse julgamento, são partes contrárias mobilizando o direito a partir de seus
capitais.
Em
suma, o STF julgou como inconstitucional a interpretação de enquadrar a
interrupção da gravidez de fetos anencéfalo em conduta tipificada pelos artigos
124,126 e 128 do Código Penal. É importante ressaltar, que a ação mobilizou o
direito e outros campos da sociedade. Os capitais se mostram importantíssimos tanto
na argumentação das partes, mas sobretudo no voto dos ministros. O capital
cultural, social, político entre outros foram importantes tanto no resultado do
julgamento, quanto na delimitação do tema. Vinte anos antes, esses capitais obstariam
qualquer discussão nesse sentido. Mas quatro anos e meio após a ADPF 54, a
primeira turma do STF, julgando um caso específico (prisão de cinco pessoas no
Rio de Janeiro), considerou que o aborto até o terceiro mês não é crime, e deu
provimento ao pedido de liberdade dos réus. Assim funciona o direito, com os
capitais delimitando o espaço dos possíveis, e influenciando os julgamentos.
Ricardo da Silva Soares-Noturno
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