Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Pierre Bourdieu e o Direito.


Bourdieu propôs um novo modelo de interpretação da sociedade. Seu objeto de análise, a sociedade contemporânea, era mais complexa do que a analisada por seus predecessores. Assim, ele decide estudar e analisar a complexidade da sociedade. Se outros autores propuseram uma ou algumas perspectivas para entender a sociedade, Bourdieu proporá várias e consequentemente, o estudo e a analise ficará mais profunda e complexa.
                Há alguns exemplos que explicitam o pensamento do autor. Ao lançar o conceito de capital cultura a desigualdade deixa de ser explicada única e exclusivamente pela perspectiva material e passa a ser mais ampla. Uma criança pode ter acesso a mesmas condições materiais que outras, porém devido a sua família ter um capital cultural maior, ela provavelmente terá um desempenho melhor que as demais. O capital cultural rompe com a ideia de que pessoas com menor condição financeira seriam menos inteligentes por natureza, e mostra que não basta igualar ou aumentar a condição financeira da população para termos uma sociedade mais igualitária e melhor.
                Novamente, o conceito de capital cultural, juntamente, com o capital social, explica porque nem sempre o empresário com o maior poder financeiro (capital financeiro), será uma liderança de sua classe. Quem liderará ou se sobressairá em determinada classe ou grupo é o agente social que detiver a melhor quantia de capital ou capitais necessária para aquela situação. Desse modo, o melhor aluno do Colégio São Luís, colégio da elite paulistana, não será o mais rico, mas o que alinhar o dinheiro (para pagar a mensalidade), e o capital cultural e social para conviver e fazer uso de suas oportunidades.
                No direito, a analise funciona de maneira parecida, há um campo dinâmico em disputa mobilizando o direito hora para um lado, hora para o outro. O direito é dinâmico porque os capitais envolvidos no campo jurídico também são dinâmicos. Esse fenômeno é perceptível quando o STF deixa de julgar condutas suspeitas do ex-juiz Sergio Moro, devido ao seu capital social, mas agora que esse capital social está se exaurindo o STF certamente julgará, para o bem ou para o mal. Ainda que o absolva, não havia espaço, no espaço dos possíveis, que possibilitassem sequer imaginar o ex-juiz sendo julgado anteriormente, devido ao seu fortíssimo capital social.
                Na ADPF 54, é perceptível que há mobilização do direito e de vários capitais entre as partes e no voto dos ministros. Lewandowski, em seu voto, ressalta a ausência de capital político da corte para debater tema, nem considerando o aspecto social ou cultural da temática em julgamento. Celso de Mello faz um longo apanhando buscando aspectos sociológicos, jurídicos e culturais para justificar seu voto, a favor de permitir o aborto no caso de anencefalia. O que é visto nesse julgamento, são partes contrárias mobilizando o direito a partir de seus capitais.
                Em suma, o STF julgou como inconstitucional a interpretação de enquadrar a interrupção da gravidez de fetos anencéfalo em conduta tipificada pelos artigos 124,126 e 128 do Código Penal. É importante ressaltar, que a ação mobilizou o direito e outros campos da sociedade. Os capitais se mostram importantíssimos tanto na argumentação das partes, mas sobretudo no voto dos ministros. O capital cultural, social, político entre outros foram importantes tanto no resultado do julgamento, quanto na delimitação do tema. Vinte anos antes, esses capitais obstariam qualquer discussão nesse sentido. Mas quatro anos e meio após a ADPF 54, a primeira turma do STF, julgando um caso específico (prisão de cinco pessoas no Rio de Janeiro), considerou que o aborto até o terceiro mês não é crime, e deu provimento ao pedido de liberdade dos réus. Assim funciona o direito, com os capitais delimitando o espaço dos possíveis, e influenciando os julgamentos. 

Ricardo da Silva Soares-Noturno 

Nenhum comentário:

Postar um comentário