O primeiro tópico que surge durante a reflexão da aprovação do aborto/ antecipação terapêutica do parto é a respeito da teoria vigente em nosso país, formulada por Montesquieu, dividindo-o em três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário (três poderes independentes e com influência igualitária). Desse modo, o pensamento inicial é o de sobreposição do judiciário em detrimento do legislativo, ou seja, se quebra a estrutura linear quando um poder "atravessa" o outro. Todavia, na Constituição Federal de 1988, existe a prerrogativa da possibilidade do judiciário criar bases legais para novos julgamentos, mesmo sem alterações no texto legislativo, em caso de negligência, morosidade, indisposição ou desinteresse do Congresso em tramitar uma lei de suma importância para a sociedade.
Partindo, portanto, da premissa da urgência de se debater a antecipação terapêutica do parto de embriões com anencefalia, ao julgar o caso, de forma vinculante, o Supremo Tribunal Federal, em nenhum momento, desrespeitou a legislação ou, até mesmo, a Constituição.
O Código Penal Brasileiro, ainda que com alterações, foi promulgado na década de 1940, época em que a tecnologia aplicada à medicina era uma fração da atual. Sendo assim, condenar tanto o médico que praticava o aborto, quanto a gestante que carregava a criança com anencefalia, era lógico, legalmente, uma vez que era muito difícil, quase impossível, identificar tal patologia embrionária com os recursos disponíveis.
Entretanto, com esse significativo avanço das técnicas médicas, tornou-se possível, através de estudos atestar que a totalidade dos fetos anencéfalos nascem já mortos ou falecem pouco tempo após o nascimento.
Sim, deve-se ao Congresso, a missão de legislar, porém, como tal assunto reverbera uma situação polêmica e que envolve religião, o instrumento legislativo se torna engessado e impossibilitado de acompanhar a medicina. Vale lembrar, ainda, que o laicidade do Estado, embora exista na teoria, não acompanha a prática e, desse modo, cabe ao judiciário que, como na teoria do sociólogo Bourdieu, não pode ser apenas um instrumento positivado e sim ter influência para avaliar e utilizar da judicialização para adaptar as normas à sociedade na qual estão vigentes.
Mateus Ferraz - Direito Matutino
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