Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O Direito e a concepção da vida sob sua visão

     No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, sobre a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos, tem-se um marco quanto à ideia progressista de descriminalização do aborto, mesmo que em sentido restrito. Dessa forma, apesar da procedência de tal ação, houve algumas divergências nos votos dos ministros trazendo consigo um forte questionamento sobre a ideia de vida e de como a sociedade e o Direito exercem poder sobre essa.
     Em um primeiro momento é necessário que se tenha uma interpretação não estratificada relativa somente à sociedade ocidental sobre todo o contexto que envolve a morte de crianças e como determinada sociedade reage a esse fato. Nota-se, por exemplo, em algumas tribos indígenas brasileiras como nas ianomâmis e kamaiurás, o infanticídio como uma prática "comum" dentro da cultura desses. Com isso, vê-se uma grande diferença de como as visões sob vida e como as pessoas podem interferir nela são diferentes dentro do ideal ocidental e de outros grupos, demonstrando que, mesmo sob todas as concepções contemporâneas de direito a vida e outros, não há um consenso claro sobre o que é a vida humana.
     Ademais, indo além de fatores culturais, os quais nitidamente se vêem diferentes no mundo ocidental em relação a grupos indígenas, por exemplo, percebe-se que há uma dialética histórica, como assinalado por Hegel, muito forte que infere uma enorme influencia dentro do campo de ideias do humano. De uma maneira geral, para se provar o citado anteriormente, basta-se pensar em como ideias conservadoras eram unanimidade dentro dos tecidos sociais de uma maneira geral (desde seu corpo político até o jurídico) e como um assunto que de qualquer forma rondasse o aborto seria considerado uma barbárie pela sociedade devido a alguns estigmas religiosos e morais, e como tal assunto nos dias atuais já se encontra em pautas sociais e políticas. Assim, tem-se nesse desenvolvimento de ideias um grande aliado à progressão das normas que regem os indivíduos.
     Outrossim, há um outro fator de grande relevância para a compactuação de novas regras e ideias na sociedade: o Direito. Toda a estrutura que monta a justiça de um grupo apresenta, como firmado por Bourdieu, um espaço dos possíveis maior que as outras forças coercitivas governantes, o que reflete uma possibilidade maior de movimentação de pensamentos. As forças simbólicas que regem a sociedade inferem maior pressão sobre o Direito pois esse se trata de responder de uma forma imediata aos problemas de uma sociedade, ou seja, precisa-se que se adapte às mais variadas demandas dos mais variados grupos que compõem uma determinada sociedade. Seguindo essa linha, nota-se que a dialética citada, somada ao espaço dos possíveis dentro do campo jurídico, possibilitou uma tal evolução que desenvolveu uma forma de se analisar a sociedade de uma maneira amplamente racional. Nesse sentido, a ADPF apresentada se manifesta como um dos exemplos dessa dialética racional do Direito, em que se tem um julgamento atual sobre a descriminalização do aborto de anencéfalos que, a partir do pensamento racionalmente composto de que os direitos de um feto em que não há possibilidade de vida não se sobrepõem aos direitos das mães, teve procedência.
      Agora, depois de demonstrado alguns caráteres racionais que cercam a decisão sobre a evolução do pensamento jurídico sobre o aborto, no caso em questão, de anencéfalos, é necessário que se disserte um pouco sobre a potencialidade de vida de um feto anencéfalo.
     Como mostrado repetidamente no voto do ministro Marcos Aurélio, não há possibilidade de vida para um feto anencéfalo, a certeza da morte prematura desse é algo certo. A grande barreira contra o julgamento em questão se denota na crença exacerbada da vida humana, uma certa exaltação do que representa o humano no mundo e de como esse é importante. Porém, essa contrariedade prepotente se eximi de uma análise racional que demonstra a inviabilidade da vida humana de um feto anencéfalo. A manutenção coercitiva de uma vida que não apresenta viabilidade se torna não só um instrumento de tortura física mas também psicológica pois, como mostrado no voto do ministro citado em sua passagem por Kant, um ser irracional (que seria o caso de anencéfalos devido sua incapacidade de raciocínio) dependente, verdadeiramente, apenas da vontade da natureza, apresenta-se apenas como um meio para um fim e que, no caso em análise, um meio para o sofrimento certo de mães e famílias que terão de gerar um ser condenado prematuramente à morte.
      Com o exposto, pretende-se avaliar como a racionalidade necessária dentro do Direito e como sua evolução precisa se voltar ao campo do progresso onde exista a análise cautelosa de sopesamento de direitos e, assim, ter-se uma síntese que se volte ao progresso dos direitos de bem estar da sociedade. O Direito é, hoje, o definidor de conceitos que delimitam determinados direitos ao ser humano dentro da sociedade civil, o Direito defini a vida e como essa se dá; não há tanto valor, ao se pensar fatidicamente, em uma vida quando não se delimita que não se pode matar outra pessoa; não há como saber quando se uma pessoa verdadeiramente capaz de direitos sem determinado pelo código. Deve-se, portanto, delimitar-se as potencialidades de um feto anencéfalo e se comparar se os direitos desse se sobrepõe sobre os de sua mãe, pensando-se racionalmente sobre o assunto e não se mantendo sobre estigmas culturais humanistas de exacerbação cega da vida humana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário