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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Mais que imposição, tortura.

 Em sua obra denominada "O poder simbólico", Pierre Bourdieu conclui que o Direito, enquanto ciência, não deve ser analisado sob uma perspectiva nem instrumentalista - como se estivesse apenas a serviço de uma classe dominante - nem tampouco formalista - como se ele tivesse a capacidade de agir de forma totalmente autônoma em relação a sociedade em que está inserido, crenças, demais ciências e formas de conhecimento. Logo, a ciência jurídica serve a interesses da classe dominante, mas também das demais e sofre influência de todo o contexto que a cerca.

 Sob essa perspectiva, fica evidente a procedência da teoria do pensador, ao analisar a ADPF 54, uma vez que se fundamentou na observação de diversos campos do conhecimento como a medicina, os anseios sociais e as crenças disseminadas. Além disso, vale ressaltar, que ao observar de forma criteriosa o voto dos ministros com relação a temática, fica claro o conceito exposto por Bourdieu de habitus - tendência de um indivíduo a tomar determinadas decisões, devido a visão de mundo a qual apresenta o grupo social em que está inserido -  uma vez que devido a essa área profissional ser, majoritariamente, composta por homens, brancos e ricos, muitos dos argumentos por eles apresentados refletem essa visão de classe, a qual sem dúvidas não corresponde a perspectiva feminina, em sua maioria, acerca da temática.

 Partindo dessa ótica, vale destacar, o dado apresentado pelo ministro Luiz Fux, o qual se baseou em constatações realizadas pelo Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que afirma que 94 % dos fetos anencéfalos - desconsiderando aqueles que nem ao menos sobrevivem ao parto - faleceram nas primeiras horas e 67 % já na primeira hora decorrida após o parto. Além disso, segundo o periódico, publicado em 2012, sobre Obstetrícia e Ginecologia norte americana, a média de vida desses bebês é de 51 minutos, o que deixa claro que é infundado querer obrigar as mulheres a gerar uma criança, durante nove meses, a qual ela já sabe que não poderá ver se desenvolver e, muitas vezes, nem mesmo nascer. 

Portanto, categorizar como crime o aborto de anencéfalos é torturar diversas mulheres, as obrigando a serem "caixões humanos", afim de subsidiar a sustentação de concepções patriarcais as quais pretendem mandar no corpo e vida feminino. Outrossim, essa ação fere a dignidade da pessoa humana, uma vez que essas gestações muitas vezes resultam em danos a saúde física da grávida e em complicações psicológicas as quais perduram o resto da vida da mesma, tendo em vista que ela foi obrigada a carregar em seu ventre, sob pena de prisão e julgamento social, durante nove meses um bebê fadado a morte.

Todavia, aqueles que se posicionam contrários ao aborto, como o ministro Cezar Peluso, fundamentam-se principalmente na teoria de que, pelo principio da analogia, caso seja aberta a exceção para um tipo de doença, outros tipos podem requerer o mesmo direito, o que poderia resultar em uma seleção de caracteres. O que reforça mais uma vez o fato de que ele, enquanto um homem que preenche aos padrões sociais, não vê a questão da mesma forma que uma mulher a qual sofre em razão da problemática. 

Por fim, atualmente, um simples exame de ultrassonografia, caso realizado por um médico experiente e familiarizado com a temática, é o suficiente para detectar a doença, segundo especialistas, o que reforça a desnecessidade de que as mulheres sofram a dor de criar expectativas sobre um bebê durante meses a qual não será concretizada e gerará, muitas vezes, uma dor irreversível. 

Danieli Calore Lalau - 1° ano - Noturno.

 

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