A ADF 54, encarregada de tratar sobre um polêmico assunto que é tabu ainda nos dias de hoje, o aborto, mais especificamente o aborto de fetos anencéfalos, fez com que alguns ministros colocassem suas crenças e moral de lado (pelo menos era esse o esperado) para configurarem ou não a inconstitucionalidade da interpretação que declara a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos como crime de aborto previsto pelos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do CP. Por 8 votos á 2, a decisão contemplou a não condenação da mãe e dos profissionais de saúde envolvidos no processo.
Bordieu em suas obras diz sobre a importância da neutralidade e da universalização na linguagem jurídica, conceitos esses exemplificados quando os ministros em seus votos a favor da decisão utilizaram termos como “interrupção da gravidez” ou “antecipação terapêutica”, com o objeto de causar menos impacto social, por se tratar de uma decisão cuja a sociedade a ser atingida ainda possui preconceitos enraizados sobre toda a questão abortiva. Além de claro, tratar sobre a universalidade que supõe um livre arbítrio sobre abortar ou não .Bordieu também destacou a extrema influência da classe dominante sob o sistema jurídico, fato esse também exposto no caso da ADF 54, onde o ministro Luiz Fox alega a questão social da criminalização do aborto de anencéfalos, pois afirma que as maiores prejudicadas são/serão mulheres de classe média baixa com baixo poder aquisitivo, tomando assim um caráter de saúde pública. A criminalização desse tipo de aborto dificulta o acesso de mulheres de baixa renda ao serviço fazendo com que as mesmas recorram á lugares clandestinos e sem a mínima proteção correndo risco de morte, enquanto mulheres com melhor status social, apesar de ainda assim recorrerem ao serviço ilegal, podem pagar por melhores condições durante o procedimento. Essa situação explicita o assunto abordado por Bordieu, a visão de um grupo dominante que impacta diretamente os códigos em vigências, onde, especificamente nesse caso, o descaso com a dignidade da mulher e sua integridade física e moral estão fortemente presentes.
Quando assuntos assim, antes nem mencionados juridicamente tomam força a ponto de ser questionada a sua criminalização, ganham força, mostra o como o direito realmente é a soma da moral e a razão, pois ambas podem/devem se modificar com o tempo, fazendo como consequência, que o direito se modifique também.
Barbara Medeiros - 1 Direito noturno
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