A ADPF 54 foi
julgada em 2012, tomando-se a decisão de descriminalização do aborto de feto
anencéfalo. Essa ADPF representou um avanço na conquista de direitos femininos.
Entretanto, as mulheres estão correndo o risco de perder toda a conquista dessa
ADPF e dos três casos de aborto legalizados no Brasil com a PEC 181 que está em
tramitação, cujo texto-base já foi aprovado e que veta o aborto em caso de feto
anencéfalo, estupro e gravidez que represente risco de morte à gestante.
Diante disso, sob
a ótica de Bourdieu, o Direito não pode ficar imune ao processo histórico, ambos
tem que caminhar juntos, promovendo a historicização da norma, ou seja, o
Direito tem que se adaptar às circunstâncias pelas quais a realidade se
transforma. Assim, o Direito é relativamente permeável – como não ser permeável
se o Judiciário está sendo provocado a responder às demandas? Que foi
justamente o caso da ADPF 54, demanda social feminina de autodeterminação
corporal –, isso significa que o Direito é um misto de complexidade em que ao
mesmo tempo em que ele absorve a dinâmica social, vai ter sempre que responder
a ela para obter suas referências internas. É o que Bourdieu vai chamar de
espaço dos possíveis. Podemos ver o caminhar do Direito conjuntamente com o
processo histórico a partir do julgado da ADPF 54 que descriminalizou o aborto
de feto anaencéfalo, pois foi um avanço da liberdade feminina de dispor sobre o
próprio corpo diante do avanço e propagação das liberdades individuais na atual
conjuntura histórica. Além disso, o princípio de transformação do Direito é
aquele que retira do espaço dos possíveis a sua transformação: é a
permeabilidade da dinâmica social. A votação do julgado é um exemplo claro
disso, pois se a analisarmos, ela absorve a dinâmica social de avanço das
liberdades individuais e é também dessa dinâmica social que o Direito retira
suas referências internas para julgar o caso em questão.
Por fim, é deplorável
que as mulheres possam ter tamanho retrocesso no exercício do direito de autodeterminação
corporal, direito inserido na condição de liberdade que cada um tem em dispor
sobre o próprio corpo e diretamente relacionado ao princípio fundamental da
Dignidade da Pessoa Humana previsto na Constituição Federal e na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Anita Bueno Tavares - 1° Direito Diurno
Anita Bueno Tavares - 1° Direito Diurno
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