Em 1989, Pierre Bourdieu
publica sua teoria jurídica que rompe os paradigmas estabelecidos até então ao definir
o ordenamento jurídico como local, formalmente distante da sociedade, porém funcionalmente
universal, no qual há a manifestação do seu poder simbólico para a
concretização de mudanças no plano real o que, por consequência, admite certa
autonomia da entidade do direito. Estruturando-se , desse modo, a base teórica
essencial para sua obra “O Poder Simbólico”.
Ainda na obra de 89, o sociólogo
disserta sobre a hierarquia sistemática dos profissionais jurídicos, afirmando
que tal estrutura piramidal visa prioritariamente a produção teórica e formal
do ordenamento positivado e sua adaptação par aa concretização prática das
mudanças sociais.
Partindo desses
pilares essenciais do “Poder Simbólico”, cabe aqui trazer a tona o debate
realizado no Supremo Tribunal Federal referente ao descumprimento fundamental
nº 54, este, por sua vez, aborda a possível realização de abortos de fetos
considerados anencéfalos através de ferramentas legais alegando uma
diferenciação do desenvolvimento pós-natal àqueles outros de formação craniana
e encefálica completa. Tal argumentação tem por base na jurisprudência o habeas
corpus nº 82025-6, no qual houve o fim da sentença de prisão a médicos
realizadores de um aborto perante feto anencéfalo, o que, para múltiplos juristas
feria cláusulas pétreas constitucionais que protegiam a vida e a autonomia de
escolha do indivíduo. Estabelecendo-se, assim, uma ADPF e o conseguinte debate
do STF.
Por fim, o STF
acaba por compreender como lícito, por meio de 8 votos favoráveis, o aborto de fetos
anencéfalos em território nacional o que invariavelmente causou grande
divergência perante a opinião pública
que alega incoerência mediante os princípios defendidos pela decisão, e pelos 8
ministros favoráveis, e a real positivação jurídica vigente, considerando a
definição como arbitrária quando comparada com a clareza formal da lei. Provavelmente,
grande parte este repúdio civil provêm de uma construção, que data desde o
período colonial, da estruturação estatal e religiosa em consonância cuja força
permanece claramente até hoje no poder popular, como muito bem aborda o Ministro
relator Marco Aurélio Mello.
Ainda sobre o
voto do relator, vale ressaltar um ponto que em muito se contrapõem à doutrina
de Bourdieu ao salientar o direito como agente que se molda as demandas sociais,
guiando a Constituição a uma cautelosa mudança de paradigmas.
Por fim, é possível
afirmar que uma influência em sentido único, seja do âmbito social para o
jurídico ou vice-versa, seria extremamente simplista perante a complexidade das
instituições aqui tratadas. Em verdade, os fatos sociais e as leis positivadas
acabam por influenciar-se de maneira mútua, sempre protegidos por instrumentos
legais que evitam, geralmente de modo eficaz, a arbitrariedade, como antes foi
alegada neste texto, como exemplo desses instrumentos pode-se citar a
hierarquia trabalhada por Bordieu, na qual a especificação de funções delegadas
a cada estamento jurídico limita a tomada de decisões pautadas somente por princípios
pessoais. Logo, o poder simbólico da decisão do STF abre precedente para mudanças
concretas e palpáveis, almejando influências sociais realmente inovadoras e
condizentes com a realidade democrática que se espera do Estado de Direito
Brasileiro, distante dos dogmas de estigma colonial a que ele foi moldado.
Lucas Correa Faim - Noturno
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