O
direito deveria supostamente agir como um protetor e guardião dos direitos
sociais da população, garantindo bens como a vida, a liberdade e a dignidade de
um indivíduo. No entanto, quando se trata de uma gravidez indesejada ou com má formação do
feto, que não trará nada além de sofrimento e dor, tanto para a família quanto
para o bebê, as bancadas religiosas conservadoras não parecem se importar em
violar tais direitos, pregando, ironicamente, discursos pró-vida. O curioso é a força da influência religiosa em tal
decisão, já que o Brasil se pronuncia como um Estado laico em sua Constituição
Federal.
O
aborto de anencéfalos, discutido pelo STF no julgado da ADPF 54, mostra como o
direito pode sim, com esforço e persistência, seguir a ideia de Bourdieu e
fugir do instrumentalismo (o direito como instrumento da classe dominante),
agindo a favor da minoria feminina e seus direitos, especialmente aquelas de
baixa renda que não tem condições de realizar o aborto em uma clínica de
qualidade. A criminalização do aborto não impede que ele ocorra, apenas pune as
mulheres pobres que não tem condições de pagar uma boa clínica e morrem
negligenciadas, já que sua ilicitude não impede que milhares de abortos sejam
feitos todos os dias. Dessa forma, não se acaba com um problema, mas na verdade
cria-se outro bem mais grave.
Com
a descriminalização do aborto, não só nos casos de anencefalia como discutido
no julgado, mas em todos os casos, a mulher teria de volta sua liberdade de
escolha e a autonomia sobre seu útero, que não existe em favor dessa sociedade
patriarcalista. O aborto seria uma questão de saúde pública e as mulheres
gozariam do direito de decidir sobre a interrupção ou não da gravidez, enquanto
o Estado daria todo o suporte médico necessário. A negação desse direto (e
muitos outros) às minorias, no caso tratado às mulheres, é fruto da violência
simbólica de que trata bourdieu, a qual faz com que uma ideologia dominante,
carregada de valores e preconcepções enraizadas, seja utilizada para a
submissão e opressão de grupos minoritários, os quais deveriam ser protegidos
pelo plano jurídico.
Como
afirma Bourdieu, o direito deve, ao invés de se prender àquelas velhas e
ultrapassadas concepções que aprisionam e cimentam o desenvolvimento social,
moldar-se de acordo com a realidade vivenciada e as necessidades da sociedade
moderna, sendo um direito dinâmico, não estático. Por isso, a legalização do
aborto nos casos de anencefalia do feto configura-se em uma grande vitória no
campo das conquistas sociais pelo meio jurídico, mas não significa que a luta
acabou, pois ainda há um longo caminho a ser trilhado até que o direito seja
plenamente emancipatório, cumprindo sua função social.
Letícia Rodrigues Santana 1º ano direito - Noturno
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