O julgamento da ADPF 54, na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) requeriu a inconstitucionalidade do fato do aborto de anencéfalos ser encaixado nos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal. Além do ganho social referente à liberdade de escolha da mulher, não haverá mais a possibilidade de punição aos profissionais da saúde que realizarem esse procedimento em caso de não desenvolvimento do cérebro do feto. Esse, é um exemplo do que argumenta Bourdieau em relação ao direito não estar nem plenamente a serviço da classe dominante, nem totalmente aberto as demandas e pressões sociais. O feto anencéfalo, como bem argumentaram os profissionais sérios na audiência pública, não tem condições de uma vida uterina muito prolongada, atingindo algumas semanas no máximo.
Sendo assim, concordo com a utilização do termo: "antecipação terapêutica do parto", visto que além dos problemas biológicos que podem ocorrer para a mãe, os problemas psicológicos decorrentes de uma notícia dessas trazem danos muitas vezes irreparáveis, sendo considerado pela literatura médica como uma espécie de tortura. Fica claro que a prioridade deve ser a vida que já existe e tem plenas condições para viver, se desenvolver e praticar suas atividades corriqueiras.
Os argumentos por trás dessa interrupção tem um viés de moralismo religioso, utilizando a teoria concepcionista para defenderem seus posicionamentos. Essa teoria afirma que a vida humana inicia-se logo após a fecundação do óvulo, já estando presente ali um ser humano, portanto qualquer interrupção do parto poderia ser tipificada nos artigos já citados do CP. Acontece que o anencéfalo não tem potencialidade de vida, podendo ser comparado a um mero vegetal, mas tem uma potencialidade de gerar danos talvez irreversíveis para a mãe e a família.
É sob esse prisma que devemos analisar a questão, Bourdieau afirma que o direito tem sua lógica, racionalidade e linguagem próprias, que nem sempre estão a serviço de determinada classe social, o que não impede dele ser instrumento, ora de dominação ora de emancipação.
Manollo Sedano de Oliveira - Noturno
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