São muitas as
questões que podem ser abordadas quando se trata do aborto. Aqui
especificamente está sendo discutida o aborto de anencéfalos. No dia 12 de
abril de 2012 foi declarado pelo Supremo Tribunal Federal que não é crime
interromper a gravidez quando for constatada a anencefalia do feto. A polêmica
dessa decisão é discutida até hoje, envolvendo âmbitos científicos, religiosos,
sociais e jurídico.
Analisando a
situação da esfera cientifica é necessário falar de em que ponto
cientificamente começa a vida. Existem diversas teorias, algumas delas são a Teoria
Concepcionista, que defende o inicio da vida com a concepção; a Teoria da Nidação
que compreende que a vida começa a partir do momento em que o óvulo fecundado
se fixa na parede uterina; a Teoria Gastrulação, na qual apenas após o desenvolvimento
embrionário da gástrula até a néurula é que o feto será considerado uma vida; a
Teoria Natalista, em que a vida começa a partir do nascimento do feto com vida.
Por fim, surge uma teoria contemporânea chamada Teoria da Formação dos
Rudimentos do Sistema Nervoso Central, defendendo que a vida começa quando o
feto desenvolver seu sistema neurológico, porque a partir daí ele tem sensações
como dor e prazer, outro ponto que corrobora com essa teoria é a declaração do
fim da vida quando a pessoa não apresenta mais sinais de atividade cerebral,
logo a vida começaria quando fossem notadas essas primeiras atividades. Assim,
partindo dessa teoria, a autorização para que sejam feitos abortos de fetos
anencéfalos faz sentindo, já que a vida seria definida pela existência de um
sistema neurológico.
Agora, partindo
do ponto de vista religioso, é necessário analisar que a maioria do país seguem
religiões de vertente cristãs. Essa vertente condena de forma explicita o
aborto, pois acredita que a partir do momento em que há a concepção, o feto possui
alma e por isso a gestação deve ser levada até o fim, mesmo que isso acometa
riscos a grávida e mesmo que já se saiba que o feto nascerá sem vida. Entretanto,
na teoria o Estado é laico, ou seja, não deve ser influenciado por nenhuma
vertente religiosa, porém isso não acontece na prática, pois a religião está intrinsecamente
ligada ao habitus, conceito de
Bourdieu que faz menção a toda disposição incorporada, na trajetória de vida e
origem social do individuo, afetando seus julgamentos. Mas, para que o jurista
consiga de fato realizar seu trabalho ele não pode se prender ao habitus.
Outra parte da
teoria de Bourdieu pode ser utilizada na questão social envolvendo o aborto é
quando o mesmo discorre sobre o poder simbólico e a violência simbólica. O
poder simbólico, de acordo com o autor, é aquele que quase ninguém vê, que é
quase invisível e que se manifesta através de sistemas simbólicos, como a linguagem,
a religião, a arte. Esses sistemas simbólicos criam produções simbólicas que
servem de instrumento de dominação utilizadas pelas classes privilegiadas.
“É assim que os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para
assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o
reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e
contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a domesticação dos
dominados (BOURDIEU, 1989, p. 11).”
Desse modo, é através
dessa dominação pelo poder simbólico que é reforçado por meio de relações
assimétricas, contribuindo assim para todo tipo de preconceito de violência,
incluindo a violência de gênero.
“Contudo, em virtude da ordem de gênero patriarcal, ‘machista’,
dominante em nossa sociedade, são, porém, as mulheres e, em menor número, os
homossexuais, que se vêem mais comumente na situação de objetos/vítimas desse
tipo de violência (SARDENBERG, 2011, p. 1).”
E é aqui que a
questão do aborto pode ser encaixada. A violência nesse quesito está ligada ao
patriarcado e ao machismo que além de colocar a responsabilidade de ter
engravidado apenas sobre a mulher, impõe também a mesma a obrigação de ser mãe.
Apesar de se tratar do corpo dela, e ainda mais quando a gravidez é de risco,
ela é excluída da decisão de ter ou não um filho. Outro ponto, agora
relacionada com a anencefalia, é o trauma psicológico de uma mulher que
carregou 9 meses um feto que vai morrer logo após seu nascimento, assim, a
decisão deve ser dela se ela quer ou não passar por isso.
Por fim,
observando de um ponto de vista jurídico, é dever do legislador defender os
preceitos fundamentais e dentre eles está o direito a vida. Porém isso pode ser
relativizado em questões como homicídios justificados em caso de guerra ou
legitima defesa, e no quesito do aborto, principalmente quando há gravidez de
risco, que vida ele deve defender? A da mãe ou a do feto? Já foi comprovado que
o aborto já não é mais uma questão puramente relacionada à vida, mas sim de saúde
publica, já que ele é a quinta maior causa de morte materna no país devido à
falta de estrutura para realiza-lo. Logo, a lei não salva a vida dos fetos, a
lei mata as mães.
Portanto, o que
foi discutido e deliberado na ADPF 54 é um avanço no que diz respeito a garantia
de direitos relacionados a mulher, além de ultrapassar questões religiosas demasiadamente
presentes no governo brasileiro, defendendo a laicidade do Estado. Apesar dessa
decisão ter ajudado, ainda há muito mais para ser debatido sobre o assunto,
visando assim garantir o direito a vida e a autonomia das mulheres sobre seus
próprios corpos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADICIONAIS:
CASTRO, Taynara Cristina Braga. ADI
n.º 3.510: bioética e suas repercussões no ordenamento jurídico. Disponível em:
.
Acesso em: 27 nov. 2017.
COSTA, Neila
Santos. O Poder Simbólico e a Violência Simbólica. Disponível em: < http://www.naomekahlo.com/single-post/2015/06/29/O-Poder-Simb%C3%B3lico-e-a-Viol%C3%AAncia-Simb%C3%B3lica>.
Acesso em: 27 nov. 2017.
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