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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

DIREITO, PODER PATRIARCAL E CONDIÇÕES  HISTÓRICAS COMO CATALISADORAS DE MUDANÇAS


A ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) versa sobre o seguinte assunto: se o aborto de anencéfalos é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do Código Penal. Na prática, a discussão versa sobre a criminalização dessa conduta, comum no meio social de mulheres com esse tipo de feto. No entanto, quais são as influências em torno dessa decisão,e como a abordagem pela Suprema Corte brasileira acarreta em péssimas consequências para a sociedade brasileira?

Primeiramente,consta fazer uma pequena introdução sobre a origem da criminalização do aborto na terra brasilis. É fato a predominância da Religião Católica em torno da sociedade brasileira, com seus dogmas sendo parte regente da moral. Como é sabido, o catolicismo condena o aborto(independente da  condição de saúde) , pois seria a interrupção de uma potencial vida o ato praticado. Desse modo, essa crença se estabeleceu no ideário nacional e foi absorvido pela legislação vigente até os dias atuais. Podemos comprovar essa influência observando o simples fatos dos Amicus Curiae presentes nas audiências sobre o tema: CNBB, Igreja Universal, Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família. Todas essas instituições representam o poder religioso frente ao laicismo republicano e, apesar do Ministro Celso de Melo afirmar que a Corte trabalha de maneira imparcial e ancorada na Constituição Federal, fica evidente a não ocorrência dessa situação. Ronald Dworkin afirma que estamos em um novo limite na separação entre Religião e as questões seculares, mas essa divisão parece não ter alcançado o Brasil.

Segundo, a proibição do aborto perpetua o poder patriarcal frente a liberdade de escolha da mulher. A partir do momento que existe uma lei proibindo a mulher de fazer decisões acerca do próprio corpo, fica evidente essa assimetria. Como corretamente enunciou o ministro Celso de Melo:  "O STF, no estágio em que já se acha este julgamento, está a reconhecer que a mulher, apoiada em razões fundadas nos seus direitos reprodutivos e protegida pela eficácia incontrastável dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação pessoal e da intimidade, tem o direito insuprimível de optar pela antecipação terapêutica de parto nos casos de comprovada malformação fetal por anencefalia; ou então, legitimada por razões que decorrem de sua autonomia privada, o direito de manifestar sua liberdade individual, em clima da absoluta liberdade, pelo prosseguimento natural do processo fisiológico de gestação”. Desse modo, a permissão de abortos de anencéfalos representa o empoderamento feminino, dando uma maior liberdade de escolha sobre o próprio organismo.

Em terceiro lugar, podemos fazer uma análise sociológica dessa situação por meio da teoria do filósofo Pierre Bourdieu. As críticas ao marxismo estruturalista e ao formalismo jurídicos é baseada na assertiva de que deixa-se passar em claro de como condições históricas específicas engendram lutas no campo de poder, explicando a relativa independência do Direito. Além disso, o Direito bebe das fontes das estruturas de poder vigentes, o que não necessariamente resultam na sua transformação. Desse modo,fica evidente como o momento histórico de avanço das liberdades individuais influenciou na votação a favor do aborto de anencéfalos, mas mesmo assim não foi o fator determinante para, já que os ministros estudaram o espaço dos possíveis para a decisão, e não apenas as opiniões correntes( contra ou a favor). E por último, soma-se o trabalho dos doutrinadores com a dos operadores, duas categorias da luta simbólica no campo jurídico, os quais trabalharam em conjunto para o desenvolvimento de uma posição em relação ao aborto. Mesmo que a intenção do doutrinador na hora da elaboração da lei não seja a desejada em um momento posterior, essa mudança é possível devido ao trabalho conjunto dessas duas categorias, modificando mais uma vez o conteúdo dentro do espaço dos possíveis.

Em quarto e último lugar, vale ressaltar que a tomada das rédeas por parte do STF de uma questão claramente política é extremamente prejudicial. Como já foi discutido em várias aulas, esse ativismo judicial misturado com judicialização cria precedentes para um domínio do Judiciário sobre os outros poderes, desestabilizando toda a estrutura governamental na qual a República está fundada.Nessa via, vale ressaltar a necessidade da volta  da proeminência política sobre assuntos importantes como esse.

Esse texto faz uma abordagem de alguns aspectos do julgado da ADPF 54. Comenta-se sobre a influência da religião, a dominação do poder patriarcal e o conflito com o Direito das mulheres, a teoria de Bourdieu e a judicialização. Apesar dessa modalidade de aborto estar autorizada, é importante analisar o fato de que ainda há discordâncias em número, grau e gênero em todas as camadas da sociedade, e essa decisão é apenas o começo da luta pela emancipação.

ANTONIO RICARDO CARNEIRO FILHO- 1 ANO DIREITO NOTURNO.


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