Mais um exemplo de judicialização e jogo de poder
Sobre o caso do julgado da ADPF 54, aborto de anencéfalo,
é importante destacar que a discussão que deveria gravitar em torno dos
direitos jurídicos do feto e da mãe foi muitas vezes deixada de lado pelos
ministros enquanto refletiam sobre suas experiências pessoais acerca da vida,
morte e religião.
Esse desvio de foco, pode ser analisado na óptica de Bourdieu,
como uma consequência do jogo de poderes que tanto está presente na sociedade contemporânea.
Segundo o autor, os indivíduos usam da força que suas posições na sociedade lhes
conferem para legitimar suas ideias e concepções. Assim, em sintonia com a visão
de Bourdieu, enquadramos os ministros do STF nessas “lutas simbólicas” do
cotidiano, por isso o esvaziamento da discussão jurídica e ascensão de valores
pessoais nos julgamentos.
Em síntese, os principais argumentos levantados e repetidos pelos
ministros que votarão a favor foram: a crença de ser direito da mulher decidir
sobre seu próprio corpo; considerar que o feto anencéfalo não pode ser
visto como um ser vivo e, portanto, não é protegido pela lei ; ser laico o
Estado e que decisões desse tipo não podem ser examinadas sob os influxos de
orientações morais religiosas; o fato de haver outras vidas que dependem
exatamente da decisão e que esta possa ser tomada livremente pela família.
Nesse contexto, obtiveram destaque ao se afastarem do senso
comum os ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux. Gilmar ao votar a favor embasou-se
no argumento que a lei de 1940 não compreendia o caso de anencéfalos porque não
havia tecnologia suficiente para identificá-los. Portanto, seria o caso de
aborto de anencéfalos semelhante aos casos já previstos na lei brasileira. Além
disso, o ministro cobrou do Estado o dever de zelar pelo diagnóstico correto
dos casos de anencefalia. Ademais, Gilmar Mendes tratou de defender o direito
democrático de qualquer grupo se manifestar sobre qualquer lei, referindo-se as
críticas que os grupos religiosos receberam, dos outros ministros, devido aos
seus posicionamentos. Enquanto isso, o ministro Luiz Fux, talvez em um momento
raro de singeleza no STF, disse que que o STF não é capaz de solucionar o
dilema de qual vida é mais importante.
Ainda nessa problemática, porém sem levar em conta o
resultado do julgado, percebemos mais uma vez a judicialização da política
brasileira e temos que a ineficiência do ausente Poder Legislativo em nosso
país, abre brechas para o Judiciário agir como achar que deve.
Luiz Felipe Fermoselli Andreotti, 1º ano Noturno
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