Quando Bordieu critica o
excesso do formalismo ou do instrumentalismo, correntes representadas
respectivamente por Kelsen e Marx, pode-se ligar o pensamento do sociólogo
francês com a atualidade e suas necessidades. Segundo Bordieu, o direito não
deve se ater nem ao formalismo – que entende o direito como fenômeno autônomo,
neutro às condições externas – e nem ao instrumentalismo, que entende o direito
como um instrumento de poder da classe dominante. Dessa forma, deve-se buscar um equilíbrio,
procurando ter o direito como um meio de transformação que se adapte às
necessidades sociais e pressões externas.
No Brasil, diferentemente
de diversos países desenvolvidos e com elevados índices de IDH, o aborto ainda
é considerado crime. O nosso Estado se diz laico, mas é fortemente influenciado
pelo cristianismo, usando o poder das classes dominantes do campo político a favor
de uma legislação baseada em preceitos arcaicos e religiosos. Além disso,
recentemente, a Comissão Especial aprovou a PEC 181, que visa ao impedimento de
que mulheres com gravidez fruto de um estupro possam abortar; mais uma vez, os
políticos, utilizando sua posição de dominação e dotados da sua ideologia
fundamentalista, tentam impor suas vontades e ideias pessoais às mulheres
brasileiras – mais especificamente, às mulheres brasileiras pobres – que sofrerão,
ainda mais, com os resultados drásticos que essa PEC pode causar.
Feita a análise sobre a
ideia de Bordieu e sua relação com a criminalização do aborto – em pleno século
XXI – no Brasil, vale destacar o episódio da APDF 54 no STF, que acabou por
permitir o aborto legal e seguro para as gestantes que estiverem gerando um
feto diagnosticado com anencefalia, visto que o bebê não teria nenhuma
expectativa de vida e que toda a situação poderia ser um trauma físico e
psicológico na vida da gestante. Com isso, pode-se observar uma ruptura no
formalismo normativo, uma vez que o direito deixou penetrar em si as
necessidades sociais externas, que pediam por um procedimento seguro para as
mulheres que desejassem não gerar uma vida que, logo, morreria. Ainda que esse
tenha sido um passo importante para a evolução social no país, ainda é
necessário que o formalismo seja mais “enfraquecido”. A descriminalização do
aborto é uma das pautas prioritárias dos movimentos sociais feministas, uma vez
que não cabe ao Estado controlar nossos corpos, uma vez que a mulher não é “útero
a serviço da sociedade”, como disse o ministro Luis Roberto Barroso. Além
disso, o aborto deixou, há tempos, de ser uma questão religiosa e moral, e
passou a ser um caso de saúde pública, visto que milhares de mulheres morrem ou
colocam suas vidas em risco devido ao aborto clandestino, sem contar que é, no
mínimo, bizarro a mulher ainda não ter o direito de escolha sobre seu próprio
corpo. Dessa forma, entende-se que o direito precisa quebrar o excesso de
formalismo presente, adaptando-se a dinâmica social e atendendo às demandas que
a sociedade exige dele.
Kelly Akemi Isikawa, 1º ano/diurno
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