A questão de instalação de Cotas
Raciais para o ingresso na Universidade é um assunto muito controverso,
discutido e até mesmo criticado pela nossa sociedade brasileira, principalmente
pela maneira como foi instituída no país: através uma decisão Judiciária e não
por um projeto legislativo.
É fato que a nossa Constituição
atual garante a igualdade de todos perante a lei. No entanto, é evidente no
cotidiano que tal isonomia fica restrita ao campo formal, com pouca aplicação
material. Um dos maiores exemplos dessa desigualdade substancial eram os
próprios estudantes das Universidades Públicas do país antes da Lei De Cotas
ser instaurada: a grande maioria branca, conforme expõem os seguintes dados da
pesquisa realizada em 2016 pela ANDIFES e divulgados pelo G1:
“Em
2003, primeiro ano da pesquisa onde há dados suficientes para fazer a
comparação, 51,96% da população do Brasil se autodeclarava branca. Mas, nas
instituições, a porcentagem de estudantes autodeclarados brancos era de 59,4%.
Por outro lado, os brasileiros pardos
representavam 41,47% da população do país, mas só 28,3% dos estudantes das
instituições federais. Em 2014, ano dos dados mais recentes divulgados pela
pesquisa, 45,05% do total de brasileiros eram pardos, e, dentro das
universidades, a população parda representava 37,75% do total.
No mesmo período, o número de
estudantes de graduação praticamente dobrou, de 469.848 para 939.604. Já
considerando a população negra (preta e parda), esse crescimento foi ainda
maior, de 160.527 para 446.928, o que representa um aumento de 178%.”
Esses dados demonstram a
importância de tornar igual as condições de acesso ao ensino superior público,
mesmo que para isso sejam necessárias medidas que, à primeira vista, possam parecer
uma formar de desigualar, mas que acabam apenas por seguir o
princípio da igualdade em sua forma mais justa, presumindo que as pessoas
colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual.
Embora muitas críticas sejam em
relação ao processo de Judicialização que promoveu a instauração de tais
medidas, este se dá de forma legítima, já que é característico dos governos
democráticos, conforme demonstra Barroso ao expor que é típico nos seguintes
países: EUA, Canadá, Israel, Hungria entre outros. Desta maneira, o Judiciário
atua nesse caso, não de maneira a ferir a democracia, mas sim de assegurá-la ao
defender os interesses das minorias, que diversas vezes não possuem voz para
chegar ao Legislativo com suas petições.
O processo de Judicialização, que
consiste na decisão de questões de maior repercussão política e social pelo
Judiciário e não mais pelas instâncias tradicionais (Executivo e Legislativo),
é uma forma de ajudar a concretizar os valores e fins constitucionais, e é
nesse sentido que foi aplicado na decisão pela defesa das cotas raciais.
Conforme expõe Barroso, uma de suas funções é a contramajoritariedade, já que
“A democracia não se resume ao princípio majoritário.” e por isso “juízes não
podem ser populistas e, em certos casos, terão de atuar de modo
contramajoritário.”. E, assim exemplifica com a seguinte situação: “Se houver
oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo
deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior
número.”.
Mesmo Ingeborg Maus, que em seu
texto demonstra o caráter abusivo que a Judicialização chega a ocasionar,
transformando o Judiciário no Superego da sociedade, ou seja, chegando a atingir
um caráter divino ou de oráculo ao definir moralmente nossa conduta, expõe que temos
um “infantilismo” em questões referentes à cidadania, deixando de resolver
politicamente nossos problemas e levando-os até o âmbito judicial. Dessa forma,
embora defenda que o Judiciário pode abusar de seu poder ao receber tamanho
destaque, reconhece que é um apelo popular, podendo até ser encarado como
uma forma de defesa das causas sociais.
Outro fator a ser considerado
para defesa das cotas raciais é o papel do negro em nossa sociedade. No período
colonial, sofreu com a tortura do trabalho escravo e, posteriormente, mesmo
após sua abolição sofreu e ainda sofre com a exclusão social por causa de sua
etnia. Embora se defenda que a espécie humana não possui raças e que, portanto,
a cor da pele não deveria ser considerada para a aplicação de cotas, é fato que
a cor é um fator de distinção e de discriminação, sendo o maior dos exemplos os
casos de racismo diários que o Brasil vivencia. Assim sendo, já que as etnias
são utilizadas como forma de inferiorização do indivíduo por alguns, nada mais
justo do que considera-las para aplicação de cotas como forma de se buscar a
igualdade.
Portanto, a validação das cotas
raciais e o processo de Judicialização estão entrelaçados, já que este último
através do primeiro tenta cumprir seu papel de assegurador dos princípios
constitucionais, dentre eles o da igualdade, ao equiparar as condições para
entrada nas Universidades. O Judiciário atua, nesse caso, como recurso dos
embates políticos, ou melhor, como instrumento de luta social, principalmente
em um cenário de descrença política, que se reflete no Executivo e Legislativo.
BIBLIOGRAFIA:
BARROSO, Luís Roberto. JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA. Disponível
em:
<https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxhZ25hbGRvd2VifGd4OjFiNzVmZmIzMzIwZDJlOWU>.
Acesso em: 27 maio 2018.
MAUS, Ingeborg. JUDICIÁRIO COMO SUPEREGO DA SOCIEDADE: O
PAPEL DA ATIVIDADE JURISPRUDENCIAL NA "SOCIEDADE ÓRFÃ". Traduzido por
Martonio Lima e Paulo Albuquerque. Disponível em:
<https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxhZ25hbGRvd2VifGd4OjU3M2UzOTc2YWY1YTBjOTM>.
Acesso em: 27 maio 2018.
RODRIGUES, Mateus. Após cotas,
universidades federais ficam 'mais populares e negras', diz estudo: Entre 2003
e 2014, número de estudantes de graduação negros nas instituições federais
subiu 178%, mostra estudo divulgado nesta quinta pela Andifes.. 2016. Disponível
em:
<https://g1.globo.com/educacao/noticia/apos-cotas-universidades-federais-ficam-mais-populares-e-negras-diz-estudo.ghtml>.
Acesso em: 27 maio 2018.
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