A objetividade
de valores que constitui uma sociedade é dominada, segundo Ingeborg Mauss, pela
reação passiva da personalidade do juiz. Essa justiça fundamentada em que “uma
decisão justa só pode ser tomada por uma personalidade justa” dá – se pela transformação
clássica do superego, como visto, por Mauss, na defesa de Erich Kaufmann frente
à concepção determinação do justo — na medida que o símbolo monarquista da
unidade nacional se esvai, os juízes aparecem como expoentes na ordem de
valores justos, ou seja, essas figuras tornam-se responsáveis pela concepção de
justiça que “implica não somente um
método para discussão [...], mas sobretudo uma ordem material” em detrimento da
valoração das normas positivadas nesse assunto. Em consonância com esse
raciocínio, esse mecanismo de transmutação de agentes protagonistas pode ser
relacionado com a concepção de modernidade líquida de Zygmunt Bauman, que se
dissolve, entre outros motivos, pela volatilidade da figura dos politburos.
Desse modo, o ativismo judicial, na contemporaneidade, é a tradução da volatilidade
da autoridade, que corroborou para que juízes carregados com subjetividade
determinem aspectos da realidade objetiva.
O desmanchamento
dos politburos da sociedade no livro “Modernidade Líquida” de Bauman, vincula-se
com a perda de autoridade de indivíduos carregados de poder determinante em contraposição
com a ascensão do individualismo, pelo qual o ser — sem os protagonistas
essenciais na condução da vida — encontra-se sozinho na escolha não só dos
meios como, principalmente, dos fins. Há ocorrência, na pós-modernidade, da
transformação de uma finalidade em possibilidades de finalidades, isto é, o
sólido, proporcionado pelos líderes em gerais, se transformou em líquido. A
atitude ativista encarnada nesse contexto, assim, proporcionou não a volta da
consolidação das autoridades, mas daquilo Bauman chama de existência de vários
exemplos, no caso os juízes, com datas de validade. Nesse sentido, estes mostram-se
como um meio de permanência temporária do povo na corrida pelo alcance de suas causas
sociais, uma vez que a tendência do judiciário em continuar a assumir funções
de partidos políticos e, consequentemente, do poder legislativo é ser
substituída por outras possibilidades. Essas ocorrerão pela fluidez das figuras
determinantes e, por conseguinte, através de reflexos dessa, por exemplo, na fala de Luís Roberto Barroso, pela “falta de capacidade institucional do
Judiciário para decidir determinadas matérias”, que colocaria em risco fatores
de políticas públicas, como no caso da tentativa de desse protagonismo na área
de saúde, levando a problemas nos recursos públicos, logo, na questão do ativismo.
Os magistrados, não
obstante aludem à sociedade capacidade de reconduzir o avião — ou seja,
objetivar valores — após a confusão em relação aos destinos e aos pilotos do
vôo, serão também dissolvidos como influência temporária. A ilusão de
recuperação da autoridade pela atitude ativista abrange, nessa perspectiva, um
cenário muito maior: a perda de funcionalidade da estrutura democrática pela
situação liquida moderna. As decisões judiciais, por exemplo, na questão de
cotas raciais ilustram não só a falta de legitimidade da estrutura política, mas
esta encaixada em uma fluidez moderna com os protagonistas temporários. Dessa forma, não
deve ser discutido constitucionalidade ou inconstitucionalidade nessa questão,
já que esses fatores não podem ser mais medidos na liquidez sobre a qual os
próprios ordenamentos jurídicos são construídos e ante protagonismos que
continuarão a ser projetados na sociedade. O ativismo é,
portanto, problema da conjuntura pós-moderna de transformações constantes do
superego, que, nesse momento, evidencia-se na posição mais destacada dos magistrados
e tende a ser transportado a outras figuras voláteis.
Júlia Marçal Silva, noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário