[...] O que me fazia
combalido, o que me desanimava eram as
malhas de desdém, de escárnio, de
condenação em que me sentia preso.
Na viagem, vira-as manifestar-se; no
Laje da Silva, na delegacia,
na atitude do delegado, numa frase meio
dita, num olhar,
eu sentia que a gente que me cercava,
me tinha numa conta inferior.
Como que percebia que estava proibido
de viver e fosse qual fosse o fim
da minha vida os esforços haviam de ser
titânicos [...]. Revolta-me
que me obrigassem a despender tanta
força de vontade, tanta energia
com coisas em que os outros pouca
gastavam.
Era uma desigualdade absurda, estúpida
[...]
BARRETO, Lima. Recordações do Escrivão Isaías. 1909.
É possível perceber, com o trecho exposto do livro Recordações
do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, que a desigualdade no
Brasil foi consolidada á tempos. O livro foi escrito pouco tempo pós-abolição,
no qual um dos personagens, dotado de talentos, não consegue progredir no meio
em que vive, pois é vítima de um forte preconceito racial existente,
evidenciando o caráter segregacionista predominante em solo.
Com o advento da Carta Magna de 1988, considerada como
“constituição cidadã”, fortes transformações foram consolidadas, principalmente
no que tange a justiça brasileira e as esferas do poder nacional. No entanto,
na sociedade hodierna em que as esferas não estão cumprindo seu papel com
exatidão, acaba ocorrendo o que podemos chamar de “atropelamento de poderes”,
nascendo, assim, a judicialização.
Segundo o Ministro Luís Roberto Barroso: [...] “a judicialização, no
contexto brasileiro, é um fato decorrente do modelo constitucional que se
adotou. [...] o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem
alternativa. “
Observa-se, além disso, que devido o não cumprimento das suas funções e
a abstenção diante das súplicas sociais, o poder executivo e legislativo tem
perdido espaço para o judiciário, principalmente, porque a judicialização
(tomada de decisões, sociais e políticas de grande repercussão, feitas pelo
judiciário), se torna necessária no dia-a-dia, sendo uma consequência de todo o
sistema vigente.
Ademais, como já supracitado acima, no Brasil, devido aos longos anos de
escravidão, houve uma marginalização dos negros, o que enraizou discriminações
na população, causando, consequentemente, atrasos na vida de muitos, como
citado no livro de Lima Barreto. Logo, a Constituição trouxe como um dos seus
dispositivos o princípio da isonomia, que não permite a desigualdade dos pontos
de partida. Nesse sentido, é notório que o judiciário, ao tomar a decisão a
favor das cotas, mostra-se com uma atitude legitimadora de um direito
Constitucional.
Todavia, a constante falha dos outros poderes podem sobrecarregar o
judiciário, que acaba não podendo exercer seu devido papel adequadamente. Além
disso, quando há um mau funcionamento do sistema, esse, por sua vez, pode
acarretar numa insegurança jurídica, principalmente, porque se tem tomadas de
decisões a partir de interpretações da Constituição, que podem ser diversas,
devido a diferentes morais inseparáveis do direito e dos aplicadores dele.
Destarte, diante dos argumentos citados, nota-se que a judicialização
tem sido relevante, principalmente em ralação aos direitos das minorias, que
nem no caso das cotas, atuando como diminuidor de mazelas sociais. Portanto,
ainda é valido ser discutido sobre os limites que esse deveria ter e até que
ponto as suas decisões são benéficas para sociedade como um todo.
Eloá Iara M. Massaro - Turma XXXV - Direito, noturno.
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