É no mínimo, irresponsável falar
sobre cotas em universidades públicas sem considerar o retrospecto histórico do
nosso país. Uma intensa atividade de tráfico negreiro prolongada por trezentos
anos deixou diversas sequelas na sociedade brasileira, sendo a mais profunda
delas a marginalização da população afrodescendente no pós-abolição. As medidas
que incentivavam a imigração de europeus visando o trabalho assalariado desses,
ao mesmo tempo que embranqueciam a
população, empurravam a etnia outrora escravizada para as periferias da cidade.
Cento e trinta anos depois, verificamos que 67% dos negros do brasil recebem
até um salário mínimo e meio – cerca de R$ 1400. Entre os brancos, o índice
fica em 45%¹.
Por muito tempo, os negros e outros
atores sociais com pouca representatividade política eram simplesmente
ignorados pela política majoritária, sendo essa, inefetiva para essa demanda social. É nesse cenário que a
judicialização aparece, não como uma heroína ou vilã, mas sim como mais um
recurso político garantido pelo poder constituinte de 88, dentre as mais
diversas políticas de direitos
impostas pela carta magna. A democracia pós-88 forneceu à oposição recursos para lutar contra medidas disformes à
constituição, utilizando-se dos
tribunais. Todos esses motivos caracterizam um cenário de intensificação da
judicialização, e Tate e Vallinder já apontavam esses motivos em um panorama
global. Com a redemocratização, matérias antes deixadas para a política geral
agora estão contempladas com a constituição e Barroso sobre isso afirma: “constitucionalizar
uma matéria significa transformar Política em Direito”.
Portanto, a judicialização corresponde
a um panorama global, é válida, constitucional, e se prolifera para legislações
complementares. Miguel Reale explicita que o Código Civil de 2002 se utiliza de
cláusulas gerais, o que confere mais liberdade hermenêutica ao aplicador do
direito. O que seria isso senão um reflexo da judicialização nas esferas mais
específicas do Judiciário?
Despindo-se do maniqueísmo
atribuído à judicialização, é um fato que a decisão a favor das cotas no caso
da Universidade de Brasília foi essencial para a universalização dessa política
afirmativa, hoje presente na maioria das universidades brasileiras. Um passo
importantíssimo rumo à diminuição da desigualdade, tomado pelo Judiciário após
uma severa omissão dos outros dois poderes. De quatrocentos e dezoito anos.
Diego Sentanin Lino dos Santos - Direito Matutino - Turma XXXV
Fonte dos dados: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/seis-estatisticas-que-mostram-o-abismo-racial-no-brasil
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