A judicialização como fenômeno crescente é explicada pela inércia do governo em tomar decisões ante temas polêmicos. Essa inação é devido ao medo que eles têm de perderem apoio de seus eleitores ou de não conseguirem se eleger por uma ação tomada. Desse modo, o judiciário toma a frente a tarefa de abordar assuntos polêmicos, como a questão dos direitos dos LGBT, o aborto de anencéfalos e a instituição de cotas raciais em universidades públicas. A população, diante desse cenário, adquire o hábito de recorrer ao judiciário para exigir ações que cabem a outros poderes, acontecendo o que a cientista política alemã Ingeborg Maus chama de infantilização da sociedade, posto que esta se vale do judiciário quando assuntos de cidadania são abordados, passando a enxergá-lo como o “pai” da sociedade, capaz de resolver todos os problemas. Culminando assim no superego do judiciário, o qual adquire poderes e popularidade de oráculos.
Nesse diapasão, a ADPF 186/2012 -Arguição de Deferimento de Preceito Fundamental- referente a implantação de cotas raciais em universidades públicas é um exemplo do judiciário arbitrando sobre temas delicados, uma vez que há uma polarização entre os que defendem as cotas raciais e os que são contrários a elas. Aos primeiros alega-se que as cotas raciais são um instrumento de reparação da dívida histórica que o Brasil tem com os negros, posto que foram 300 anos de escravidão e após sua abolição não houve inserção deles na sociedade, acabando por destina-los a empregos subalternos, moradias em periferias e condições de vida precárias. Além disso, permaneceu o estigma da escravidão, tendo como herança desse período o racismo. Quanto aos que são contrários às cotas, usam-se do argumento de que num país miscigenado como o nosso seria impossível definir com precisão quem é negro e, portanto, impossível deliberar a quem caberia o direito de usar cotas para ingresso em universidades públicas. Desta opinião compartilha o partido Democratas (Dem), o qual abriu a ADPF contra a Universidade de Brasília (UnB) no ano em que ela decidiu que adotaria cotas raciais em seu vestibular. Foi contrário também aos critérios feitos para determinar quem poderia fazer uso dessas cotas, afirmando que a universidade estaria fazendo um tribunal racial.
Dessa forma, tendo em vista a precariedade da educação brasileira e a concentração de renda, fatores que produzem as estatísticas vistas nas univerdades: maioria branca, de classe média e proveniente de escolas particulares, o equilíbrio para tal polarização estaria presente em cotas sociais, cujo critério seria a renda. Nessa linha, abarcaria toda a população pobre, englobando também os negros que não conseguem ter acesso às universidades por serem provenientes de classes baixas e escolas públicas. Sabemos que alcançar o ensino superior é um caminho para uma vida mais próspera, sendo necessário democratizar esse acesso para que todos consigam ter a oportunidade de estudar em universidades públicas e melhorarem suas condições de vida, produzindo uma perspectiva de futuro mais igualitário e plural, onde não só homens brancos de classe média preencham lugares de destaque, mas sim negros, pardos, indígenas e mulheres.
Do exposto, é cediço que a intervenção do judiciário para arbitrar sobre a constitucionalidade das cotas foi benéfico, uma vez que se dependesse de partidos políticos ou do governo essa pauta nunca seria solucionada, e uma parcela grande da população pobre continuaria sem acesso ao ensino superior. Porém, é preciso cautela para que os poderes dos magistrados não sejam exacerbados e perca-se a separação de tarefas entre os três poderes.
Thaís Barboza - Direito noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário