Em
2012, o partido dos Democratas, mais conhecido como DEM, ajuizou uma ADPF (Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental), ficando conhecida como ADPF N°186.
Essa arguição colocava em impugnação o processo de seleção dos alunos da UnB
(Universidade de Brasília); a universidade havia disposto 20% das vagas
universitárias como ação afirmativa étnico-racial, promovendo a inserção de uma
parcela de pretos, pardos e indígenas no ensino superior.
Em
primeira análise, o DEM elencou os diversos direitos fundamentais lesados pela
UnB, que faziam parte de um rol formal de princípios que constituíam a
dignidade da pessoa humana no documento constituinte. E, dentre os
princípios elencados, está presente o da igualdade, que é assegurado na
constituição brasileira de 1988. Contudo, esse princípio é concebido no direito
na forma da lei, digo, positivado, e é conhecido como igualdade formal
(igualdade na forma da lei) - e o que se busca com as ações afirmativas, é que
essa igualdade preconizada na constituição seja realmente efetiva na sociedade,
alcançando a igualdade material.
Dessarte,
surge inúmeras discordâncias acerca desse julgado, assim, várias interpretações
são consumadas – e essas interpretações não são feitas apenas pelo judiciário;
o judiciário apenas possui a palavra final, e nesse caso, foi a do Supremo
Tribunal Federal (como escreveu barroso: STF, o guardião da constituição). Essa
multiplicidade de interpretações pode ter a gênese na necessidade de ponderar
os princípios de uma mesma hierarquia (nesse caso, não estamos falando no
âmbito infraconstitucional, mas constitucional).
Consequentemente,
por necessidade de uma decisão, a corte do STF analisou a ADPF e considerou-a
injusta ao caso, negando o provimento que daria a nulidade das ações
afirmativas. Acerca disto, é certo que surgem dúvidas e indagações a respeito
da atitude dos ministros do supremo: por que eles não deram provimento à ADPF,
já que a UnB lesou direitos fundamentais? Isso foi uma atitude ativista (do
ativismo judicial) e também judicializada, no sentido de “Judicialização”.
Ambos são primos (ativismo judicial e judicialização), mas não são gerados das
mesmas causas, como disse o ministro Luis Roberto Barroso.
O
ativismo judicial, como supracitado anteriormente, foi aplicado ao caso da
arguição ajuizada pelo DEM quando os ministros portaram uma atitude, um modo
específico de usar a hermenêutica constitucional: expandindo além do que está
escrito; buscando suprir a omissão do legislador quanto a matéria tratada.
Assim, a corte constitucional adentrou na seara política para resolver o
problema da retração do poder legislativo, procurando consertar o descolamento
entre a política e a sociedade civil e atender as parcelas sociais
injustiçadas, considerando as cotas raciais justas e necessárias.
Também,
convém frisar que, tanto o ativismo judicial como a Judicialização são como
antibióticos: em excesso, causam a morte pela cura. Ambos possuem suas
características, de um lado tem-se a ampliação interpretativa e do outro a
contramajoritariedade. Sabendo disto, é perceptível que o seu uso desmoderado é
prejudicial à legitimidade democrática. Pois, indiretamente, o povo que foi
responsável por estas leis, e contrariá-las ou expandi-las (hermeneuticamente
falando), seria antinômico ao governo de todos (democracia); à soberania
popular.Essa defasagem da vontade majoritária popular está presente no modelo
de controle de constitucionalidade, centrado nas Supremas Cortes. Ingeborg Maus
nomeia essa atitude como “uma inversão da racionalidade da teoria da soberania
popular”.
Para
encerrar, é preciso esclarecer que, tanto o ativismo judicial como a
judicialização são modos de agir que contrariam totalmente as ideias de
Montesquieu, uma vez que ele possui, em seu arcabouço teórico, a ideia de
divisão - não tênue - dos poderes, não permitindo que um poder sobressaia ao
outro. Contudo, hoje, no Brasil, há sim a necessidade desse aparato
contramajoritário e hermenêutico, pois, as vezes, o Direito é usado como forma
de dominação, o que dá liberdade ao judiciário em garantir os direitos
fundamentais aos lesados. Porém, há o lado ruim desse aparato: quando o
poder judiciário atrai para si o poder de instância moral das pessoas, formando
"algo" que centra as ideias do social, formando o superego, como
escreveu Maus. Por final, convém explicitar que, no caso das cotas, o
judiciário fez um excelente uso do direito, mesmo extrapolando os limites
impostos pela seara jurídica.
BRUNO A. CURTI - DIREITO NOTURNO
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