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segunda-feira, 28 de maio de 2018

Desnivelamento entre os poderes e o judiciário como instância moral coletiva


Em 2012, o partido dos Democratas, mais conhecido como DEM, ajuizou uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), ficando conhecida como ADPF N°186. Essa arguição colocava em impugnação o processo de seleção dos alunos da UnB (Universidade de Brasília); a universidade havia disposto 20% das vagas universitárias como ação afirmativa étnico-racial, promovendo a inserção de uma parcela de pretos, pardos e indígenas no ensino superior.
Em primeira análise, o DEM elencou os diversos direitos fundamentais lesados pela UnB, que faziam parte de um rol formal de princípios que constituíam a dignidade da pessoa humana no documento constituinte. E, dentre os princípios elencados, está presente o da igualdade, que é assegurado na constituição brasileira de 1988. Contudo, esse princípio é concebido no direito na forma da lei, digo, positivado, e é conhecido como igualdade formal (igualdade na forma da lei) - e o que se busca com as ações afirmativas, é que essa igualdade preconizada na constituição seja realmente efetiva na sociedade, alcançando a igualdade material.
Dessarte, surge inúmeras discordâncias acerca desse julgado, assim, várias interpretações são consumadas – e essas interpretações não são feitas apenas pelo judiciário; o judiciário apenas possui a palavra final, e nesse caso, foi a do Supremo Tribunal Federal (como escreveu barroso: STF, o guardião da constituição). Essa multiplicidade de interpretações pode ter a gênese na necessidade de ponderar os princípios de uma mesma hierarquia (nesse caso, não estamos falando no âmbito infraconstitucional, mas constitucional).
Consequentemente, por necessidade de uma decisão, a corte do STF analisou a ADPF e considerou-a injusta ao caso, negando o provimento que daria a nulidade das ações afirmativas. Acerca disto, é certo que surgem dúvidas e indagações a respeito da atitude dos ministros do supremo: por que eles não deram provimento à ADPF, já que a UnB lesou direitos fundamentais? Isso foi uma atitude ativista (do ativismo judicial) e também judicializada, no sentido de “Judicialização”. Ambos são primos (ativismo judicial e judicialização), mas não são gerados das mesmas causas, como disse o ministro Luis Roberto Barroso.
O ativismo judicial, como supracitado anteriormente, foi aplicado ao caso da arguição ajuizada pelo DEM quando os ministros portaram uma atitude, um modo específico de usar a hermenêutica constitucional: expandindo além do que está escrito; buscando suprir a omissão do legislador quanto a matéria tratada. Assim, a corte constitucional adentrou na seara política para resolver o problema da retração do poder legislativo, procurando consertar o descolamento entre a política e a sociedade civil e atender as parcelas sociais injustiçadas, considerando as cotas raciais justas e necessárias.
Também, convém frisar que, tanto o ativismo judicial como a Judicialização são como antibióticos: em excesso, causam a morte pela cura. Ambos possuem suas características, de um lado tem-se a ampliação interpretativa e do outro a contramajoritariedade. Sabendo disto, é perceptível que o seu uso desmoderado é prejudicial à legitimidade democrática. Pois, indiretamente, o povo que foi responsável por estas leis, e contrariá-las ou expandi-las (hermeneuticamente falando), seria antinômico ao governo de todos (democracia); à soberania popular.Essa defasagem da vontade majoritária popular está presente no modelo de controle de constitucionalidade, centrado nas Supremas Cortes. Ingeborg Maus nomeia essa atitude como “uma inversão da racionalidade da teoria da soberania popular”.

Para encerrar, é preciso esclarecer que, tanto o ativismo judicial como a judicialização são modos de agir que contrariam totalmente as ideias de Montesquieu, uma vez que ele possui, em seu arcabouço teórico, a ideia de divisão - não tênue - dos poderes, não permitindo que um poder sobressaia ao outro. Contudo, hoje, no Brasil, há sim a necessidade desse aparato contramajoritário e hermenêutico, pois, as vezes, o Direito é usado como forma de dominação, o que dá liberdade ao judiciário em garantir os direitos fundamentais aos lesados. Porém, há o lado ruim desse aparato: quando o poder judiciário atrai para si o poder de instância moral das pessoas, formando "algo" que centra as ideias do social, formando o superego, como escreveu Maus. Por final, convém explicitar que, no caso das cotas, o judiciário fez um excelente uso do direito, mesmo extrapolando os limites impostos pela seara jurídica.

BRUNO A. CURTI - DIREITO NOTURNO

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