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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Sociedade sistêmica e sistemática

A dúvida é uma constante na vida de todos. O mundo faz-se a partir de cada escolha individual e, pensado dessa maneira, a dúvida frente cada alternativa faz-se ainda maior. E é exatamente essa a maneira como penso. Ainda no colégio, nem a opção pela carreira a seguir era certeza absoluta, tantas eram as implicações! Muito estava em jogo. Hoje, como profissional do Direito, e sem ainda total certeza acerca da decisão tomada no Ensino Médio, mas por certo com maior solidez de objetivos, deparo-me com a história de Flavinho.
                Menor, marginalizado, deliquente. Sim, é a mesma figura do garoto que você viu ontem no noticiário, ou das centenas de outros garotos igualmente estereotipados. Mas não o encaremos assim. Flavinho é, sobretudo, uma pessoa. Embora nem ele mais faça tanta questão de se lembrar disso.
                Fato é que nossas histórias se cruzaram quando sua mãe, exausta de aplicar-lhe sermões e corretivos quase que diários, por descobrir-lhe facínora, procurou-me a fim de saber se dessa vez, pelo amor de Deus, o filho poderia ser preso. “A disciplina da cadeia talvez ensine”. A resposta óbvia e imediata foi que não, que o menor é considerado incapaz e, portanto, não está apto para responder em juízo, e que a sanção viria de outra maneira. Acontece que a dúvida da mãe perturbou-me e remeteu-me a discussão aparentemente infinda acerca da maioridade penal.
                De que ótica analisar casos como esses? Cartesianamente, encararia Flavinho como uma peça a mais em todo ordenamento mecanicista e que, portanto, deveria ser imediata e objetivamente reajustada para o bom funcionamento da máquina. Mas como se daria tal reajuste? Seria ele suficiente para manter o complexo sistema?
                Lembremo-nos, porém, que a essência do ser não está na matéria, mas em suas conexões. Do ponto de vista sistêmico, o homem não pode ser analisado individualmente, como peça solta, formar-se-ia uma visão distorcida e unilateral acerca dos fatos. Consertar uma só peça e deixar que as outras continuem defeituosas resulta em novos problemas futuros. Da mesma forma, somos parte de uma rede inseparável de relações.
                Flavinho deve pagar por seus crimes, isso é parte do contrato social e da nossa ideia de justiça;, ele deve ser acertado às normas. Acontece que duvido exatamente da forma como essa adaptação ocorre. Mesmo que Flavinho ainda não possa ser preso, assegurariam a ele as fundações para menor alguma base de valores? E se tais instituições já caíram amplamente em descrédito, o que de diferente o real cárcere poderia promover aos fins de restituir o jovem à sociedade de forma “ajustada”?
                É impossível resolver os problemas fragmentando-os, como sugeriu Descartes. Flavinho, e tantos outros excluídos socialmente, são mero reflexo do sistema. A discussão sobre maioridade penal ganha, assim, traços mais amplos, que abrangem percepções de campos sociais diversos, como o econômico, político, educacional.

                De Descartes, mantenho o princípio da dúvida, mas nego-me à visão mecanicista de mundo. A humanidade é essencialmente interdependente e deve ser encarada como tal. Somos o sistema. 

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