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domingo, 18 de agosto de 2019

ADPF 54

A decisão pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 autorizou a interrupção de gestação com feto anencéfalo. Essa deliberação vem de encontro com teorizações realizadas por Pierre Bourdieu acerca do Direito como ciência rigorosa. Entre elas, podemos destacar a forma com que a Corte evitou o Formalismo, o jurídico autônomo das pressões sociais externas, ao conceder o pedido de Descumprimento de Preceito Fundamental feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que afirmou que criminalizar a interrupção de uma gravidez que, além de ser de risco, não traria à luz uma criança viável à vida extra-uterina, leva ao desrespeito à dignidade humana, à autonomia da vontade, e ao direito à saúde das mulheres cujas gestações são forçadas legalmente. O proferido pela Corte encontra-se dentro do campo jurídico do autor à medida em que este defende o “espaço do possível”: segundo a argumentação de ministros que votaram a favor da descriminalização, o direito à vida não é absoluto de acordo com a lei. Este é, em muitos casos, relativizado, fator que abre caminho para que o aborto de anencéfalos – cuja vida é inviável pela ausência de atividade cerebral – seja realizado sem consequências jurídicas. Ademais, cabe destacar um contra-argumento forte, que afirma a impossibilidade do STF atuar como legislador, uma vez que o Código Penal é claro ao definir o aborto como qualquer prática dolosamente provocada, salvo em casos como estupro ou risco de morte materna. O embate a este se dá a partir do poder dos magistrados, segundo Bourdieu, a realizar a historicização da norma, ao adaptar o previsto na lei a evolução da sociedade. A criminalização do ato está positivado há quase um século, e a Medicina atual não convém mais com a da época: os métodos de diagnóstico que podem evitar essa dor familiar são recentes. Por fim, é necessário destacar a importância da decisão para o desenvolvimento social, que busca uma sociedade justa e igualitária, cuja razão das decisões proferidas pelas Cortes venha de encontro com a sociedade e suas necessidades, enfatizando a razão pura como impossibilidade, uma vez que o direito posto nem sempre leva em conta a aplicação correta ao caso concreto.
Natalia Minotti - Direito matutino

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