O caso obteve grande repercussão – tanto no campo midiático
quanto no social – tendo em vista toda a polêmica e complexidade nele envoltas.
Dessa forma, é possível analisá-lo e relacioná-lo ao pensamento do sociólogo francês
Pierre Bourdieu, visto que toda a sua conceituação a respeito dos campos e do habitus interligam-se com a decisão do STF
e com o próprio debate da situação, desde a categorização do impasse frente aos
campos existentes – conclusões e medidas pragmáticas devem ser instituídas pelo
campo médico ou pelo jurídico? – até à luta
simbólica no campo jurídico: a contraposição teoria x prática se mostra
factualmente presente na discussão, logo, como é possível equilibrá-las?
Nesse sentido, tomando por base os pontos supracitados,
concluo que podem ser suficientemente exauridos ao se atentar às seguintes
conclusões: Bourdieu afirmava que o Direito se expressa
através de suas disposições internas, no entanto, não é assim que ele se transforma,
mas sim por meio da busca dos conflitos sociais (a parte externa ao campo
jurídico). Logo, se a transformação do Direito é feita justamente por aquilo
que não está presente em seu âmbito interno, sua interrelação com outros campos
torna-se factível e importante na discussão de casos como esse: o aborto, caso
de saúde pública, interfere-se no campo jurídico, trazendo, pois, novas
perspectivas (algo demonstrado pela própria emissão, durante a discussão da APDF,
de pareceres de amicus curiae do campo
da saúde). Ademais, quanto a relevância da dualidade entre teoria e prática no
campo jurídico – e, mais especificamente, neste processo – o próprio Ministro
Luiz Fux – que se inclui entre os ministros que julgaram procedente a arguição ressalta
a importância de determinados pontos que estão nas leis, entretanto, mostra que
o Direito também age dentro do espaço do possível: cita o exemplo italiano, país
no qual a proteção ao concepturo é consolidada, e ressalta que, no caso em questão –
que apresenta na maior parte das vezes risco à saúde psicofísica da gestante –
ela deve ser, de certo modo, relativizada, corroborando, assim, a ideia de Bourdieu
de que é impossível uma racionalidade pura e que, portanto, as decisões dos
magistrados baseiam-se em uma “adaptação real ao sistema”, afastando-se do “rigorismo
racional”, isto é, do formalismo.
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