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domingo, 18 de agosto de 2019

Bourdieu e a constituição do campo jurídico na análise da APDF 54

A ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) publicada em 12 de abril de 2012, tendo como requerente a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) e como relator o Ministro Marco Aurélio, trouxe à tona, no Supremo Tribunal Federal (STF), um assunto extremamente debatido e indubitavelmente passível de discussão: o aborto em caso de feto anencefálico. Na decisão, em resumo, oito dos ministros julgaram procedente a arguição e apenas dois deles não o fizeram, levando então, por maioria, um viés constitucional à interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

O caso obteve grande repercussão – tanto no campo midiático quanto no social – tendo em vista toda a polêmica e complexidade nele envoltas. Dessa forma, é possível analisá-lo e relacioná-lo ao pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu, visto que toda a sua conceituação a respeito dos campos e do habitus interligam-se com a decisão do STF e com o próprio debate da situação, desde a categorização do impasse frente aos campos existentes – conclusões e medidas pragmáticas devem ser instituídas pelo campo médico ou pelo jurídico? – até à luta simbólica no campo jurídico: a contraposição teoria x prática se mostra factualmente presente na discussão, logo, como é possível equilibrá-las?

Nesse sentido, tomando por base os pontos supracitados, concluo que podem ser suficientemente exauridos ao se atentar às seguintes conclusões: Bourdieu afirmava que o Direito se expressa através de suas disposições internas, no entanto, não é assim que ele se transforma, mas sim por meio da busca dos conflitos sociais (a parte externa ao campo jurídico). Logo, se a transformação do Direito é feita justamente por aquilo que não está presente em seu âmbito interno, sua interrelação com outros campos torna-se factível e importante na discussão de casos como esse: o aborto, caso de saúde pública, interfere-se no campo jurídico, trazendo, pois, novas perspectivas (algo demonstrado pela própria emissão, durante a discussão da APDF, de pareceres de amicus curiae do campo da saúde). Ademais, quanto a relevância da dualidade entre teoria e prática no campo jurídico – e, mais especificamente, neste processo – o próprio Ministro Luiz Fux – que se inclui entre os ministros que julgaram procedente a arguição ressalta a importância de determinados pontos que estão nas leis, entretanto, mostra que o Direito também age dentro do espaço do possível: cita o exemplo italiano, país no qual a proteção ao concepturo é consolidada, e ressalta que, no caso em questão – que apresenta na maior parte das vezes risco à saúde psicofísica da gestante – ela deve ser, de certo modo, relativizada, corroborando, assim, a ideia de Bourdieu de que é impossível uma racionalidade pura e que, portanto, as decisões dos magistrados baseiam-se em uma “adaptação real ao sistema”, afastando-se do “rigorismo racional”, isto é, do formalismo.

Turma XXXVI - Direito Matutino

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