Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 18 de agosto de 2019

A luta simbólica e as decisões judiciais


Pierre Bourdieu, sociólogo francês do século XX, faz uma importante análise acerca dos rumos do Direito em sua obra “O Poder Simbólico”. O escritor apresenta uma visão do direito como relativamente autônomo, isto é, sujeito às pressões externas (sociais, econômicas, biológicas etc) apenas até um determinado limite, chamado por ele de “Espaço dos Possíveis”.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que buscava reparar a lesão aos direitos fundamentais decorrentes da interpretação de aborto de fetos anencéfalos conforme os artigos 124 e 126 do Código Penal, é possível perceber o funcionamento desta dinâmica apontada por Bourdieu.
Nesse caso, o campo da medicina interfere diretamente em diversos aspectos, como na definição do que é vida. Os campos jurídico e médico se confrontam e se complementam a todo momento diante da problemática da situação.
Além disso, as interferências de uma parte da sociedade que demanda a legalização do aborto se chocam com as pressões morais da lei positivada, criando uma luta simbólica que resulta em um veredicto.
O resultado é fruto de uma ponderação entre as normas do ordenamento jurídico e elementos externos, como a pressão social, a ciência, e outros aspectos externos considerados pelos magistrados. Porém, essa mudança na interpretação da lei, como foi no caso da ADPF 54, só pode ser realizada no espaço do possível. A alteração no entendimento da legislação não pode ser feita de acordo com a compreensão individual do magistrado sem considerar aquilo que foi estipulado inicialmente pelo poder legislativo.
No voto da Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, ela afirma que é papel dos magistrados assegurar as garantias fundamentais, trazer mudanças para o direito e atualizá-lo sempre que possível. No entanto, na ADPF e segundo os escritos de Bourdieu, fica claro que o STF não pode tomar o papel de legislador para si e decidir todas as questões existentes, ou seja, nesse caso o Supremo não poderia tornar todas as espécies de aborto legais pois a legislação brasileira prevê exatamente o contrário, assim como a sociedade não se mostra pronta para aceitar tamanho avanço. Ainda assim, os magistrados possuem o poder de assegurar os direitos fundamentais e puderam mudar a interpretação do Código Penal para que as mulheres pudessem fazer a antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia.
Essa é a clara expressão da luta simbólica dentro do campo do direito e entre outros campos. As decisões que regem todo o ordenamento jurídico e a vida das pessoas advém de diversas colisões entre aqueles que querem possuir o poder simbólico de punir, de permitir e até de afirmar o que é vida.

                                                                  Mariana Paz F. Puentedura

Matutino



Nenhum comentário:

Postar um comentário